Brasília/DF - A Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) rejeitou nesta terça-feira (11), por 3 votos a 2, a denúncia de racismo contra Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência da República. Se tivesse sido aceita, o deputado federal se tornaria réu na ação penal em que é acusado de discriminação. Ele já é réu em outra ação no STF, por injúria e incitação ao estupro.
A denúncia da Procuradoria Geral da República se refere a crime de discriminação contra quilombolas e contra estrangeiros.
O voto decisivo foi do ministro Alexandre de Moraes, presidente do colegiado. "O cerne da manifestação era uma crítica a políticas de governo, não chegando a extrapolar para um discurso de ódio", definiu. Sobre a imunidade parlamentar, Moraes afirmou que não é possível "afastar de cara a inviolabilidade dizendo que contexto em que foi dito [o discurso] estaria totalmente estranho ao exercício o do mandato", uma vez que o deputado foi convidado na condição de parlamentar.
Quanto ao conteúdo possivelmente preconceituoso, o magistrado entendeu que não houve abusos no caso de estrangeiros. "Não me parece que houve discriminação ou republico a estrangeiros. Houve manifestação às vezes contundente ou grosseira em relação a refugiados", afirmou.
No caso dos trechos referentes à discriminação racial, o ministro também descartou excessos. Ele disse que Bolsonaro não incitou tratamento desumano ou cruel. "Na contextualidade da imunidade, não me parece que, apesar da grosseria, erro, vulgaridade e desconhecimento das questões, que a conduta do denunciado tenha ultrapassado os limites de sua liberdade de expressão", afirmou.
O magistrado havia pedido vista em 28 de agosto, quando o julgamento da denúncia foi iniciado. No dia, o relator, ministro Marco Aurélio Mello, e o ministro Luiz Fux haviam votado para rejeitar a denúncia. Luís Roberto Barroso votou pelo recebimento da denúncia pelas duas acusações e Rosa Weber por receber apenas no caso de discriminação contra quilombolas.
PGR denuncia Bolsonaro por racismo
Apresentada pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a denúncia se baseia em frases ditas pelo deputado em palestra no Clube Hebraica do Rio em 2017. "Eu fui em um quilombola em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava 7 arrobas (...) nem para procriador eles servem", disse o presidenciável na ocasião.
De acordo com Dodge, Bolsonaro "usou expressões de cunho discriminatório, incitando o ódio e atingindo diretamente vários grupos sociais". Segundo a denúncia, o parlamentar também ofendeu mulheres. "Eu tenho cinco filhos. Foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher", disse o deputado.
O candidato também teria incitado o ódio a indígenas, ao atribuir a eles a culpa pela não construção de três hidrelétricas em Roraima. A PGR pediu a condenação por "praticar, induzir ou incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional", crime previsto no artigo 20 do Código Penal.
Representante da Procuradoria Geral da República, o vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, afirmou que a ordem da narrativa no discurso leva à conclusão de crime de ódio. "Estão presentes todos elementos de um discurso de ódio racial que exterioriza preconceito e induz e incita a discriminação", afirmou. "Não se trata de hipérbole. Se trata de racismo", completou o jurista conhecido por ser atuante na área dos direitos humanos.
Defesa da liberdade de expressão
A defesa do presidenciável pediu a rejeição da denúncia por afirmar que a acusação não é clara sobre quais condutas configurariam os supostos crimes, o que viola o princípio da ampla defesa. Também argumenta que Bolsonaro está protegido pela imunidade parlamentar e que as frases foram tiradas de contexto pela PGR.
"O que se está a julgar não é o crime de racismo. É a liberdade de expressão. É esse o ponto da democracia", afirmou o advogado Antônio Pitombo.
Condenação pelo crime de racismo é uma das causas de inelegibilidade, de acordo com a Lei da Ficha Limpa. Mas não haveria tempo para julgar o candidato até a disputa nas urnas, no caso de a denúncia ser aceita.
Ainda que fosse condenado no âmbito penal, a Justiça Eleitoral teria de analisar sua possível inelegibilidade. Os crimes de injúria e de incitação ao estupro, acusações na outra ação em que o candidato é réu, não constam na Lei da Ficha Limpa.
*Por: Marcella Fernandes / HUFFPOST
*Foto do Ministro: Adriano Machado / Reuters