EUA - Ver a Ferrari de novo com chances reais de levar o Mundial de Construtores tem sido uma das sensações da atual temporada da Fórmula 1. A última vez que escuderia italiana conquistou o campeonato foi em 2008. Agora, trava uma acirrada disputa pelo título com a Red Bull, o que aumenta a expectativa para a sequência da competição, com o Grande Prêmio do Azerbaijão, no próximo dia 12. Há quem atribua esse momento à considerável melhoria que os icônicos carros vermelhos tiveram do ano passado para cá, ganhando mais estabilidade nas curvas e evoluindo em relação à velocidade final, entre outros pontos. Para executivos da Raízen, esse desempenho também tem a ver com a nova composição do combustível utilizado pela equipe.
Decidida a entrar na era da descarbonização, a organização da F1 definiu novas regras para o abastecimento dos carros: pelo menos 10% têm de ser de biocombustíveis. E a Ferrari, por meio de uma parceria estratégica com a Shell, atendeu à determinação com etanol de segunda geração (E2G) produzido pela Raízen, no Brasil, a partir do bagaço da cana-de-açúcar, também chamado de biomassa, e da palha que não são aproveitados na fabricação do etanol de primeira geração (E1G). A empresa, que nasceu de uma joint venture entre a Shell e a Cosan em 2011, é dona da única usina de E2G em escala industrial do mundo. Essa presença brasileira na F1 tende a crescer, pois a alteração dos combustíveis é progressiva: até 2030 todos os veículos devem ser completamente abastecidos com opções sustentáveis.
A partir dessa entrada na F1, o E2G passa a ser visto de outra forma pelo mercado consumidor como um todo. Segundo o CEO da Raízen, Ricardo Dell Aquila Mussa, ainda havia certo ceticismo em relação ao combustível. “E já o produzimos há 12 anos”, disse. A aposta nessa valorização é cada vez mais alta. Além da planta que já está em operação, a companhia tem mais três em construção, que estarão prontas na safra 2023/24, e passará a 20 unidades até a safra de 2030/31, chegando a uma produção total de 1,6 bilhão de litros por ano. Cada uma dessas novas plantas tem potencial produtivo de 82 milhões de litros, e o Capex por unidade é de R$ 1 bilhão.
“Teremos mais três usinas de E2G por ano, e gostaríamos de acelerar, por conta da demanda do mercado” Ricardo Mussa CEO da Raízen.
Para cumprir ou até antecipar esse calendário, a diretoria da Raízen se espelhou na F1: a ordem é pisar fundo. A previsão inicial de entregar duas plantas por ano foi ultrapassada. “Três por ano virou o padrão, e até gostaríamos de acelerar por conta da demanda de mercado”, afirmou Mussa. “Queremos formar novo portfólio que vai tirar volatilidade e gerar caixa lá na frente. Claro que estamos avaliando os riscos, o quanto estamos preparados para essa entrega.” As próximas três plantas já estão com 80% das obras prontas.
A estruturação do parque industrial de E2G é também uma plataforma para o avanço no setor de biogás. A Raízen tem dois módulos de produção e mais dois em construção, que entrarão em operação na safra 2023/34. Cada módulo tem capacidade produtiva de 16 milhões de Nm3 por ano e o Capex é R$ 150 milhões. A meta é chegar ao período 2030/31 com 39 unidades de biogás. O foco está principalmente em energia limpa e renovável, para atender o mercado de geração distribuída e centralizada, e no fornecimento de biometano como alternativa de combustível para caminhões em substituição ao diesel, começando pela própria frota.
Para se ter ideia das possibilidades no segmento de biometano, a Raízen já tem contratos de longo prazo com a Yara Brasil Fertilizantes e com Volkswagen do Brasil para fornecimento a partir do ano que vem. Com a Yara, serão 20 mil m3 por dia durante cinco anos. No caso da Volkswagen, serão 51 mil m3 diários por um período de sete anos, volume que consumirá a produção de duas fábricas, ou seja, essas unidades já começam com tudo vendido, de acordo com a Raízen. Essas negociações puxam o desenvolvimento gradual de um mercado secundário de venda de caminhões a gás – seja de fábrica, seja por conversão –, explorando posicionamento geográfico e estratégico para conexão com gasodutos de distribuidoras de gás natural.
EQUILÍBRIO
A agenda de longo prazo da Raízen tem gerado satisfação e muito mais expectativas porque os passos anteriores a essa fase foram bem-sucedidos. A começar pelo IPO da empresa, realizado em agosto do ano passado, que ofertou mais de 810 mil ações preferenciais (RAIZ4) a R$ 7,40 e arrecadou R$ 6 bilhões, direcionados exatamente para financiar esse programa de crescimento da companhia. Para o CEO da empresa, a boa notícia é que tudo o que foi proposto naquele momento está sendo cumprido. “Conseguimos atingir, ou ultrapassar, todas as metas determinadas no IPO”, disse Mussa.
Além de estar em dia com o avanço da estrutura de bioenergia, a Raízen continua a ser a maior produtora global de açúcar (5,4 milhões de toneladas) e de etanol (3 bilhões de litros) e registrou relevante evolução de rentabilidade. “Aumentamos 30% o Ebitda, 24% a margem do ano e o Roace está em 31%”, afirmou o CEO. Roace é a sigla para Return On Average Capital Employed, ou Retorno Médio sobre o Capital Empregado. É um indicador semelhante ao Retorno sobre Ativos, mas que considera as fontes de financiamento. O Ebitda na safra 2021/22 foi de R$ 10,7 bilhões, 62% maior do que no período anterior, e a expectativa para a próxima temporada é de que possa chegar a R$ 14 bilhões.
Esse crescimento vem de expansão geográfica, aquisições e diversificação. No ano passado, a Raízen intensificou sua atuação na América do Sul com a entrada no mercado paraguaio e com a ampliação na Argentina, com mais 166 postos de combustíveis. No Brasil, foi concluída em abril a integração da Biosev, adquirida em agosto de 2021, o que acrescentou oito parques de bioenergia, distribuídos por Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e São Paulo, e quase 10 mil colaboradores.
Com a integração da Biosev, a Raízem passa a ter 1,3 milhão de hectares de cana cultivada. Aí está outro ponto de sustentação para todo o crescimento da companhia: a base agrícola. E de desafios. A eficiência nos processos industriais depende diretamente do desempenho dos canaviais, e foi preciso uma atenção especial com a produtividade das lavouras nos últimos anos. O período 2019/20 foi o pior momento, com queda de 13,8%. Segundo o vice-presidente executivo da companhia, Francis Queen, foi feita uma revisão completa dos processos de plantios e tratos. “Havíamos apostado em processos mais baratos que não entregaram, necessariamente, os melhores resultados”, disse. “Mas já temos o caminho para o melhor aproveitamento de nossas áreas.”
VAREJO
A expansão no mercado de combustíveis passa também pela aproximação com o consumidor final. A Raízen vem investindo nisso. A bandeira Shell, que de acordo com a empresa é a marca global mais valiosa do setor (US$ 4,8 bilhões), atua em 70 países e está há mais de um século no Brasil. No atendimento direto, a empresa já tem 155 lojas da Oxxo e quase 1,2 mil da Shell Select (veja reportagem na página 34).
Outro passo está na fidelização digital desse relacionamento, com o aplicativo Shell Box. Já são mais de 10 milhões de downloads, um crescimento de 22 vezes nos 12 meses até maio, e cerca de 9,5 milhões de usuários. Essa interação já rendeu R$ 10 bilhões, o que leva a Raízen a olhar com muito mais atenção para esse mercado, e estabelecer metas ambiciosas: aumentar a carteira de clientes para 30 milhões de pessoas e o faturamento para R$ 25 bilhões por ano, alcançar 500 mil transações diárias e lançar o Shell Box Empresas. Energia para realizar tudo isso parece não faltar.
Romualdo Venâncio / ISTOÉ DINHEIRO