BRASÍLIA/DF - Desde que deixou o governo, em 24 de abril, o ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, já foi procurado por ao menos dois partidos: Podemos e PSL. Embora seja visto como potencial candidato à Presidência em 2022, o ex-juiz da Lava Jato tem evitado o assunto.
Analistas e políticos avaliam que Moro pode quebrar a polarização entre o bolsonarismo e a esquerda que dominou as últimas eleições presidenciais, já que deve ser atacado pelos dois lados. Responsável por condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex do Guarujá, Moro acusou Bolsonaro de interferir politicamente na troca do comando da Polícia Federal (PF).
Ele já prestou depoimento neste processo, que corre na Procuradoria-Geral da República (PGR) e em que também é apurado se o ex-magistrado cometeu o crime de denunciação caluniosa – se essa hipótese se confirmar, os planos políticos podem ser atingidos.
Os defensores do ex-ministro lembram que, a seu favor, ele tem apoio de parlamentares, como integrantes da bancada Muda Senado, defensora do pacote anticrime e da prisão após condenação em segunda instância. Além disso, ele tem a simpatia de alguns movimentos que pediram o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, como o Vem Pra Rua.
Aos partidos que o procuraram, Moro disse que qualquer movimentação política neste momento seria usada contra ele pelos bolsonaristas, que já o enxergam como potencial adversário em 2022. “Ele não quer conversar sobre isso (2022), até porque seria fornecer munição ao inimigo. Nesse momento de consciência cívica não estamos pensando em eleição. Mas depois de vencida esta etapa, se houver interesse dele o partido estará de braços abertos”, afirmou o senador Alvaro Dias (Podemos-PR).
“A ligação dele é mais próxima com o Podemos, mas o PSL está com a ficha na fila. Sérgio Moro racha esse público bolsonarista que é anti-esquerda e combate à corrupção”, disse o senador Major Olimpio (PSL-SP), líder do partido no Senado e ex-aliado de Bolsonaro.
Procurado por meio de sua assessoria sobre o interesse de partidos em filiá-lo, Moro informou que não iria comentar.
Instituto
Chamou atenção do mundo político a criação do Instituto Rosângela Moro, um mês antes da saída do ex-juiz do governo. A mulher do ex-juiz descreve a instituição como “organização sem fins lucrativos, com objetivo de impulsionar projetos de impacto social”. A entidade tem feito ações como doação de equipamentos de proteção contra a covid-19, sem a participação de Moro. No perfil do instituto no Instagram, há uma marcação de outra página, que torce pela candidatura do ex-ministro. O post, de uma semana atrás, contém uma foto de Moro e a legenda “Obrigado, #Até2022”. A reportagem entrou em contato com a entidade, mas não obteve resposta.
Planalto trabalha para tentar minar candidatura de ex-juiz
No Planalto, a percepção é de que o ex-ministro Sérgio Moro é “candidatíssimo”, expressão usada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro em uma conversa reservada. O temor de que o ex-chefe da Lava Jato dívida os votos da direita é combustível para o governo traçar estratégias políticas.
O governo avalia que tanto o discurso feito por Moro ao abandonar o ministério, no último dia 24, quanto o depoimento de oito horas que deu à Polícia Federal em Curitiba, no dia 2, como parte do inquérito instaurado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar a suposta interferência do presidente na PF são ações políticas milimetricamente calculadas.
Segundo pessoas que estiveram na reunião ministerial do dia 22 de abril, citada por Moro em seu depoimento e na qual Bolsonaro teria pressionado o ex-ministro a mudar a chefia da PF, a gravação requerida pelo ministro do STF Celso de Mello, relator do inquérito, não mostra muita coisa além do que já se sabe, mas tem potencial para desgastar o governo.
O principal motivo são palavrões e outras ofensas desferidos por ministros contra os integrantes do Supremo. Um dos mais exaltados teria sido, segundo relatos, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, embora não tenha sido o único da sala a se referir de forma desrespeitosa aos magistrados.
Os olhos do Planalto, neste momento, se voltam para uma denúncia contra Moro feita por um grupo de 14 advogados na Comissão de Ética Pública da Presidência para que o ex-ministro seja investigado por possíveis atos ilícitos no período em que ocupou o cargo. Se for condenado pela Comissão, Moro fica inelegível.
A peça é assinada pelo jurista Celso Antonio Bandeira de Mello, próximo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e pelos advogados Mauro Menezes, presidente da Comissão no governo Dilma Rousseff, e Marco Aurélio de Carvalho, filiado ao PT, entre outros.
O fato de petistas assinarem a denúncia, segundo fontes do Planalto, dá mais força à estratégia, pois isentaria Bolsonaro de participação na manobra para tirar Moro da corrida em 2022.
Outra questão pendente que envolve o ex-ministro é o julgamento da sua imparcialidade na condução dos processos da Operação Lava Jato, solicitado pela defesa do ex-presidente Lula. Dos cinco ministros da Segunda Turma do Supremo, dois (Edson Fachin e Cármen Lúcia) votaram a favor do ex-juiz.
Capital
Embora esteja recluso desde que deixou o governo, com exceção do depoimento que deu à PF e de algumas postagens nas redes sociais para rebater Bolsonaro, Moro ainda tem capital político, segundo lideranças partidárias.
Para o ex-deputado Roberto Freire, presidente do Cidadania, a saída de Moro do governo pode credenciá-lo no setor liberal da economia e da política. “Moro deixou Bolsonaro isolado com a extrema direita. O ex-ministro tem vida própria”, afirmou Freire.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), acredita que é preciso esperar o desenrolar das investigações contra Bolsonaro. “Antecipar demais gera um problema que não é necessário agora, tem que saber exatamente até que ponto vão as investigações em face do comportamento do presidente”, afirmou. Ele argumenta que a apuração pode “escancarar que a gente tem um vácuo de liderança com esse perfil (de combate à corrupção)”, disse Vieira. Segundo ele, as bandeiras levantadas por Bolsonaro da renovação política e do combate à corrupção não se confirmaram.
Para o empresário Rogério Chequer (Novo), um dos fundadores do movimento Vem Pra Rua, o ex-ministro tem apoio dos grupos “lavajatistas” que pediram o impeachment de Dilma Rousseff em 2015. “Moro tem um capital muito grande com esse grupos e isso não mudou após ele deixar o governo. Isso conta muito em uma eventual candidatura”, disse Chequer.
*Por: Pedro Venceslau, Paula Reverbel e Ricardo Galhardo / ESTADÃO