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EUA - Para os líderes das empresas americanas, a alta inflação não é bem-vinda. Além de também não ser comum. Warren Buffett, 91 anos, o chefe mais velho das grandes empresas no índice S&P 500, recentemente alertou quanto aos perigos do aumento dos preços em sua carta anual aos acionistas em 2021. Em média, os CEOs das empresas no índice são homens jovens na casa dos 58 anos, que ainda não tinham entrado na universidade em 1979, quando Paul Volcker, o inimigo-mor da inflação, tornou-se presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano). Quando a maioria deles começou a trabalhar, o surgimento do capitalismo globalizado estava dando início a uma era de baixa inflação e altos lucros. Os preços das ações de suas empresas subiram entre a crise financeira global de 2007 a 2009 e a pandemia de covid-19, uma década de inflação baixíssima.

A inflação permanecerá alta por algum tempo ainda. Em 7 de junho, o Banco Mundial alertou que “vários anos de inflação acima da média e crescimento abaixo da média agora parecem prováveis”. Um novo estudo de Marijn Bolhuis, Judd Cramer e Lawrence Summers descobriu que, se você medir a inflação de forma constante, a taxa de hoje não está tão distante do pico de 1980. À medida que o passado se aproxima sorrateiramente do futuro, a “estagflação” está preocupando aqueles que ocupam cargos de liderança nas empresas. Os executivos de hoje talvez se considerem calejados por terem passado por uma crise financeira e uma pandemia. No entanto, o desafio estagflacionário requer um conjunto de ferramentas diferente que envolve tanto elementos do passado como novos artifícios.

A principal tarefa de qualquer equipe de gestão é proteger as margens e o fluxo de caixa, que têm a preferência dos investidores ao crescimento da receita quando as coisas ficam arriscadas. Isso exigirá uma luta mais árdua nas trincheiras da demonstração de resultados. Embora um aumento nas margens conforme a inflação aumentava no ano passado tenha levado os políticos a denunciar a "inflação provocada pela ganância" corporativa, os lucros após descontar os impostos tendem a cair como uma parte do PIB quando os aumentos de preços persistem, com base na experiência de todas as empresas americanas desde 1950. Para criar valor para os acionistas nesse contexto, as empresas devem aumentar seus fluxos de caixa em termos reais. Isso significa uma combinação de corte de despesas e repasse da inflação de custos aos clientes sem diminuir o volume de vendas.

A contenção de gastos não será fácil. Os preços de commodities, transporte e mão-de-obra continuam altos e a maioria das empresas não pode ditar os preços nesses mercados. As limitações da cadeia de suprimentos começaram a diminuir um pouco e talvez continuem diminuindo nos próximos meses. Mas é quase certeza que os transtornos continuarão. Em abril, a Apple lamentou-se dizendo que a escassez de chips de computadores em todo o setor deve criar um “entrave” de US$ 4 bilhões a US$ 8 bilhões para a fabricante de iPhones no trimestre atual.

 

Freio em contratações

O insumo que os chefes podem controlar com maior facilidade é o trabalho. Depois de meses de contratação frenética, as empresas estão tentando proteger as margens conseguindo mais resultados de seus trabalhadores – ou alcançando o mesmo resultado de antes com menos deles. O mercado de trabalho continua bastante aquecido: nos Estados Unidos, os salários subiram mais de 5% ao ano e, em abril, as demissões atingiram uma mínima histórica. Mas, em alguns casos, a contratação frenética pós-pandemia para atender à demanda reprimida está sendo revogada.

 

Choque de cultura

Os chefes americanos estão mais uma vez demonstrando que são menos reticentes às demissões do que seus colegas europeus. Em um memorando enviado aos funcionários neste mês, Elon Musk revelou planos para reduzir em 10% o número de funcionários da Tesla, sua empresa de carros elétricos. Muitas das empresas queridinhas no mundo digital, que cresceram durante a pandemia, demitiram em conjunto aproximadamente 17 mil trabalhadores apenas em maio. Depois de atrair profissionais com aumento de salários e benefícios, nas últimas divulgações de resultados trimestrais, mais CEOS americanos têm falado de automação e eficiência da mão de obra.

Na atual conjuntura, porém, o controle de gastos pragmático (e insensível) não será suficiente para manter a rentabilidade. A inflação de custos remanescente deve ser imposta aos consumidores. Muitas empresas estão prestes a aprender a complexidade de aumentar os preços sem prejudicar a demanda. Aquelas empresas que põem em prática esse superpoder costumam compartilhar algumas características: concorrência fraca, incapacidade dos clientes de atrasar ou evitar a compra, ou fontes de receita vinculadas à inflação. Uma marca forte também ajuda. A Starbucks vangloriou-se em uma divulgação de resultados em maio que, apesar do aumento dos preços de suas bebidas com café, a empresa tem tido dificuldades para dar conta da “demanda implacável”.

Entretanto, dados recentes sugerem um sentimento do consumidor mais suave. Isso torna mais arriscado para as empresas implementar aumentos de preços frequentes. Sinais de cautela estão surgindo, do Mcdonald's, que especulou sobre o “aumento da sensibilidade ao preço” entre os fãs de hambúrgueres; a Verizon, que detectou “morosidade” de cliente no trimestre mais recente. A capacidade de forçar a aceitar os aumentos de preços enquanto os consumidores apertam os cintos exige uma gestão criteriosa. Ao contrário da última era de alta inflação, os gestores podem usar a precificação algorítmica em tempo real, experimentando e ajustando de forma constante conforme a reação dos consumidores. Contudo, todas as empresas ainda precisam ter uma visão de longo prazo com relação a quanto tempo os preços altos durarão e aos limites do que seus clientes tolerarão. Não se trata de uma ciência exata.

 

Estragos no balanço

Mesmo se mantiverem as receitas e as despesas sob controle, os CEOs estão descobrindo o que seus antecessores conheciam muito bem: a inflação provoca estragos no balanço. Isso requer um controle ainda mais rígido do capital de giro (o valor dos recursos disponíveis em caixa mais o que os clientes devem menos o que se deve pagar aos fornecedores). Muitas empresas calcularam mal a demanda por seus produtos. O Walmart perdeu quase 20% de seu valor de mercado, ou cerca de US$ 80 bilhões, em meados de maio, depois de relatar uma contração de fluxo de caixa causada por um acúmulo excessivo de estoques, que aumentou pelo terceiro ano. Em 7 de junho, sua rival de varejo de menor tamanho, a Target, divulgou um aviso de que sua margem operacional cairá de 5,3%; no último trimestre, para 2%, no atual; pois ela está aplicando descontos nas mercadorias para queimar os estoques em excesso. Os ciclos de pagamento – ou seja, quando uma empresa paga os fornecedores e é paga pelos clientes – também se tornaram mais importantes, já que o poder de compra do dinheiro entregue amanhã enfraquece no calor da inflação.

 

Distorções contábeis

Tudo isso torna o desempenho de uma empresa mais difícil de se avaliar. Por exemplo, os cálculos de retorno sobre o capital parecem mais impressionantes com um numerador inflado (retornos atuais) e o denominador (capital investido no passado) em dólares antigos. Entre 1979 e 1986, durante o último período de alta inflação, as empresas americanas foram obrigadas por lei a apresentar demonstrações de resultados que fossem ajustados ao aumento dos preços. É improvável que um decreto como esse seja ressuscitado. Mas mesmo que os chefes se gabem de um maior crescimento nominal da receita, as decisões de investimento e remuneração devem ser responsáveis por esses ventos favoráveis artificiais.

Basta perguntar a Buffett. Em sua carta aos acionistas em referência ao ano de 1980, ele os lembrou de que os lucros devem aumentar proporcionalmente ao nível da alta dos preços sem um acréscimo no capital empregado, para evitar que a empresa comece a “comer” o capital dos investidores. A missiva dele aos investidores em 2023 talvez precise transmitir a mesma mensagem. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

 

 

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