MUNDO - A relação já frágil entre Grécia e Turquia começou a se agravar no dia 10 de agosto, quando um navio turco de prospecção de petróleo iniciou pesquisas perto da ilha grega de Castelorizo, que tem uma área de apenas 9 km² e 500 habitantes. O navio foi escoltado por cinco embarcações de guerra turcas e acendeu alerta vermelho das autoridades gregas, que, em resposta, também passaram a vigiar as águas do entorno.
França, Itália e Chipre acabam de se juntar ao governo de Atenas. Esses país preveem realizar até sexta-feira (28) exercícios navais e aéreos na região. A ministra francesa das Forças Armadas, Florence Parly, publicou que “o respeito pelo direito internacional deve ser a regra e não a exceção” e que “não deve ser um parque de diversão para as ambições de alguns”, em referência ao governo de Ancara.
Disputa para além dos hidrocarbonetos
A Turquia não está de acordo com o limite de sua influência marítima, considerando a proximidade de ilhas gregas em sua costa. Portanto, não aceita ficar limitada a uma estreita faixa de água devido à extensão da plataforma continental da Grécia. Nesse cenário atual, por exemplo, a minúscula Castelorizo é um entreposto grego que fica a 500km da costa da Grécia e somente a 2km da Turquia.
Também entra para este turbulento convívio a ilha de Chipre. A União Europeia considera o Norte do território como parte da República de Chipre e as águas ao seu redor como pertencentes à Zona Econômica Exclusiva, o que significa que os países do bloco europeu, do qual a Grécia faz parte, têm o direito exclusivo de pescar, explorar e realizar atividades econômicas na área. Mas, como a Turquia reconhece o Norte de Chipre como independente e parte de seu território desde a ocupação, em 1974, Ancara diz que tem todo o direito de navegar por toda essa área.
UE trata impasse com cautela
A União Europeia, em julho do ano passado, já impôs sanções à Turquia justamente por também fazer perfurações de exploração na costa norte de Chipre. Nesta semana, o chanceler da Alemanha, país que detém a presidência rotativa da União Europeia, foi para Atenas e para Ancara tentar acalmar a disputa entre os dois países, que são membros da OTAN, e encorajá-los a dialogar sobre a delimitação marítima.
Mas, após o anúncio do exercício militar europeu no Mediterrâneo, o presidente turco, Tayyip Erdogan, alertou que a Turquia não fará nenhuma concessão para defender seus interesses e pediu que a Grécia se abstenha de cometer quaisquer "erros" o que levaria à sua "ruína".
Em resposta a essa crise, a Grécia anunciou que vai estender suas águas territoriais de seis para doze milhas náuticas (de 11 para 22 quilômetros) ao longo de sua fronteira com a Itália - um movimento permitido dentro do direito internacional. O governo grego qualificou essa postura como o fim de anos de uma política externa "passiva".
Cada um busca seus próprios aliados
Na última semana, Grécia e Egito também assinaram um acordo de delimitação de jurisdição marítima no Mediterrâneo, que o governo de Ancara considera inválido pois estaria dentro da plataforma continental turca, segundo nota do Ministério das Relações Exteriores da Turquia reportada à ONU.
Vale ressaltar que essa manobra grega agravou a inimizade entre Turquia e Egito, iniciada com a queda da Irmandade Muçulmana, um regime aliado de Erdogan. Ancara e Cairo também estão em lados opostos no conflito na Líbia. Enquanto o Egito apoia as milícias do general Khalifa Haftar, a Turquia está ao lado do governo líbio - apoiado pelas Nações Unidas. A Turquia também assinou com Trípoli, em novembro passado, um pacto marítimo que desconsidera a zona da ilha grega de Creta, no meio da rota, no Mediterrâneo.
Mar Negro: esperança turca de independência energética
Além de entrar na briga pela divisão de reservas do Mediterrâneo, a Turquia anunciou, na sexta-feira (21), a maior descoberta de gás natural no Mar Negro. Para a economia, que não vai nada bem, é a possibilidade de o país se tornar produtor de energia.
Tayyip Erdogan afirmou se tratar de uma reserva de 320 bilhões de metros cúbicos, o que representa sete vezes mais o que Ancara importa todo ano de gás. A exploração deve começar em 2023, segundo palavras do presidente turco.
Isso também representa um futuro menos dependente da Rússia, de onde vem 30% do consumo interno, e do Irã, de onde vem 17%. Também significa mais poder na mesa de negociação com a comunidade internacional e, claro, mais força, para Erdogan, que insiste que ninguém vai detê-lo na expansão dos seus horizontes. A Turquia mostra, com a prospecção marítima, como sua política externa é comparável, para alguns analistas, com uma versão contemporânea do antigo Império Otomano.
*Por: Fernanda Castelhani, correspondente da RFI em Istambul