A pesquisa foi realizada pelo aluno do curso de Medicina da UFSCar João Martins, sob orientação de Esther Ferreira e co-orientação de Cristina Ortiz, ambas docente do DMed. Os participantes do estudo receberam formulário composto por três itens: questionário socioeconômico, instrumento "Fantastic Lifestyle Questionnaire" e o "Índice de qualidade de sono de Pittsburgh (PSQI-BR)". A participação foi completamente remota.
Dentre os resultados da pesquisa, o primeiro apontamento é que o perfil socioeconômico do estudante de Medicina da UFSCar é semelhante àquele de outras instituições de ensino superior, "o que demonstra que a inclusão nas escolas médicas ainda é um desafio impetuoso", aponta o pesquisador. Ele explica que na UFSCar, assim como em outros cursos de Medicina, os estudantes, brancos, solteiros e sem necessidades especiais representam a maior parte dos discentes. "Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 57,2 % da população brasileira se identifica como negra (soma entre pretos e pardos). Apesar disso, apenas 37,71 % dos estudantes de Medicina da UFSCar declaram ser negros. Essa realidade se repete em outras escolas médicas e, apesar das medidas afirmativas, a população negra ainda é minoria entre os acadêmicos de Medicina", complementa.
A pesquisa também levantou que a vida universitária é laboriosa e está relacionada a obstáculos e potencialidades singulares. Para Martins, "o contexto universitário afeta a qualidade de vida dos estudantes, sendo alta a prevalência de comportamentos nocivos entre os acadêmicos de Medicina, como verificado neste estudo", aponta o pesquisador exemplificando esses tipos de comportamento: sedentarismo, dieta inadequada com excesso de açúcar, sal, gordura animal e alimentos processados, sobrepeso, obesidade e incapacidade de lidar com o estresse do dia a dia. Martins acrescenta que, além disso, foi observada uma má qualidade de sono e distúrbios do sono entre os discentes participantes, "o que pode estar relacionado diretamente às atividades curriculares e extracurriculares e às preocupações características da carreira médica".
Outro ponto demonstrado no estudo é que a qualidade do sono dos participantes piora significativamente à medida que o estilo de vida tende para a classificação "necessita melhorar" no questionário sobre esse tema. "Portanto, uma qualidade de vida ruim interfere negativamente no sono", esclarece Martins. Esther Ferreira, orientadora da pesquisa que estuda Cuidados Paliativos, cujo foco está na qualidade de vida, reforça que os dados são preocupantes: "Se, desde a graduação, já existe uma cultura de que o 'médico não dorme e tem uma qualidade de vida inadequada', o que diremos dos futuros médicos? Burnout e outros transtornos de saúde são cada vez mais frequentes na área da saúde, e precisamos olhar para tudo isso de maneira responsável", salienta a docente.
João Martins cita problemas que podem ser causados pela má qualidade do sono, conforme apontado em diferentes estudos sobre o tema. São eles: cansaço, sonolência, irritabilidade, alterações de humor, perda da memória recente, diminuição da criatividade, dificuldade de planejar e executar, desatenção, dificuldade de concentração, diminuição do rendimento no trabalho e aumento do risco de acidentes, aumento da prevalência de doença gastrointestinais, comprometimento do sistema imunológico e aumento da incidência de obesidade. "Além disso, pesquisas demonstram que medidas relacionadas à higiene do sono, como criar um ritual ao ir para a cama - meditação, oração ou leitura leve, sem relação com o trabalho -, fazer exercícios, dormir em ambiente silencioso, escuro e com temperatura agradável, podem ajudar a melhorar a qualidade do sono", acrescenta. No entanto, Martins ressalta que a coleta de dados deste estudo aconteceu durante a pandemia de Covid-19 com o isolamento social e o ensino não presencial. "Desta forma, os dados, apesar de similares àqueles verificados em estudos de temática e metodologias similares, devem ser interpretados sob a luz do contexto sanitário, histórico e social contemporâneos", aponta.
O estudo foi publicado em duas revistas científicas da área médica - Revista de Medicina da Universidade de São Paulo (https://bit.ly/3xHigUP) e Revista de Associação Médica Brasileira (https://bit.ly/3xEg2We). "Considero, desta forma, que a pesquisa ultrapassou os limites da UFSCar e alcançou a comunidade acadêmica de todo o País. Essas publicações significam, para mim, a oportunidade de colaborar com a ciência brasileira, lançando luz a problemas prevalentes entre os estudantes universitários", conclui o estudante destacando o apoio e colaboração de Ferreira e Ortiz.