BRASÍLIA/DF - Ajuíza Rejane Zenir JungBluth Suxberger, da 1ª Zona Eleitoral de Brasília, colocou no banco dos réus o empresário e delator Marcelo Odebrecht, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, o ex-diretor de serviços da Petrobrás Renato Duque e mais 36 investigados da antiga Operação Lava Jato. Eles eram acusados de supostos crimes de corrupção, gestão fraudulenta de instituição financeira, lavagem de ativos e organização criminosa na construção e ampliação da "Torre de Pituba", nova sede da Petrobras em Salvador.
O Estadão busca contato com a defesa dos investigados. O espaço está aberto para manifestações.
O caso nasceu da Operação Lava Jato e era conduzido pela 13ª Vara Federal de Curitiba. Depois, foi remetido para a Justiça Eleitoral de Brasília após o Supremo Tribunal Federal reconhecer a competência da mesma para analisar ações conexas a crimes eleitorais. Além disso, o processo foi atingido pela anulação das provas do acordo de leniência da Odebrecht, mas ainda assim permaneceu de pé.
O Ministério Público Federal ofereceu nova denúncia no processo, apontando que mesmo com a exclusão de inúmeras provas, a acusação ainda se mantinha de pé. No último dia 13, Suxberger considerou que "estão presentes os pressupostos processuais e as condições da ação para o recebimento da denúncia".
"A justa causa reside na probabilidade do cometimento dos fatos atribuídos aos denunciados, que se sucederam em torno das obras de ampliação do Conjunto Torre de Pituba, destinada a abrigar a nova sede da Petrobrás em Salvador/BA. Nesse contexto, se verificou possível prática dos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, gestão fraudulenta, desvio de recursos de instituição financeira e lavagem de dinheiro, no bojo de organização criminosa", anotou a magistrada.
Segundo a juíza, há "indício de materialidade" dos crimes, considerando documentos e depoimentos colhidos ao longo do inquérito, seja com diligências em operações, com acordos de colaboração e no próprio curso da ação penal, enquanto tramitou perante a 13ª Vara Federal de Curitiba. O despacho foi publicado no último dia 18.
ESTADAO CONTEUDO
BRASÍLIA/DF - O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), anulou nesta segunda-feira (28) todas as condenações da Lava Jato contra o ex-ministro José Dirceu. O processo está sob sigilo.
Com a decisão, na prática, ele retoma seus direitos políticos e deixa de ser considerado ficha-suja. A decisão atende a um pedido da defesa de Dirceu para estender a ele a decisão da Segunda Turma do STF que considerou Moro suspeito para julgar Lula.
Procurada, a defesa de Dirceu não se manifestou sobre a decisão de Gilmar.
Na decisão, o ministro do STF entendeu que as ações contra Dirceu movidas pela operação tinham como objetivo servir de "alicerce" para as denúncias que foram apresentadas posteriormente contra Lula.
Por isso, Gilmar entendeu ser o caso de estender ao ex-ministro o entendimento que anulou condenações de Lula.
"A extensão, assim, legitima-se não como uma medida geral, que aproveita a qualquer outro investigado na Lava Jato, mas devido a indicativos de que o juiz e procuradores ajustaram estratégias contra esses réus, tendo a condenação de um deles como alicerce da denúncia oferecida contra outro."
"Ante o exposto, ante a situação particular do réu, defiro o pedido da defesa para determinar a extensão da ordem de Habeas Corpus, anulando todos os atos processuais do ex-juiz federal Sergio Moro nesses processos e em procedimentos conexos, exclusivamente em relação ao ex-ministro José Dirceu."
O ex-ministro ainda tinha uma condenação por recebimento de propina da empreiteira Engevix no âmbito do esquema de corrupção da Petrobras. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) chegou a analisar o caso em 2022 e entendeu que a pena dele deveria ser de 27 anos de prisão. A defesa do ministro, porém, havia da decisão e o caso estava para ser analisado no próprio tribunal.
Em paralelo à ação no STJ, a defesa do ex-ministro estava tentando a anulação do caso por meio de um habeas corpus ao ministro Gilmar Mendes. Com a decisão do ministro do STF, na prática este outro processo que estava no STJ deve perder o objeto.
POR FOLHAPRESS
RIO DE JANEIRO/RJ - Casos da Lava Jato que envolvem o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o ex-governador Sérgio Cabral estão à beira da prescrição ou já prescreveram na Justiça Eleitoral do Rio.
Os autos desses processos e de outras investigações conexas tramitavam na Justiça Federal, mas acabaram anuladas em parte após o STF (Supremo Tribunal Federal) ter decidido em 2019 que crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, quando investigados junto com caixa dois, deveriam ser julgados por tribunais eleitorais.
Cunha e Cabral, ambos ex-MDB, foram dois dos mais conhecidos presos da Lava Jato, operação que completa dez anos na próxima segunda-feira (17). O ex-deputado federal ficou três anos e meio detido, e o ex-governador, seis.
No caso de Cunha, dois processos nos quais o Supremo anulou condenações da Justiça Federal (em 2021 e 2023) só tiveram as denúncias aceitas novamente na Justiça Eleitoral do Rio neste ano.
Em um dos processos, Cunha foi condenado em 2017 pelo então juiz Sergio Moro a 15 anos e 4 meses de prisão em um caso relacionado ao recebimento e movimentação de US$ 1,5 milhão em contas secretas na Suíça.
O dinheiro, segundo a Lava Jato, é oriundo de pagamento da Petrobras pela compra de parte de um campo de petróleo em Benin, na África, em 2011. O TRF-4 (Tribunal Federal Regional da 4ª Região) posteriormente reduziu a pena aplicada por Moro a 14 anos e seis meses.
Em outra ação, o ex-deputado foi condenado em 2020 pelo juiz Luiz Antônio Bonat, que sucedeu Moro na vara da Lava Jato, a 15 anos e 11 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Segundo a decisão, ele havia recebido R$ 1,5 milhão em vantagens indevidas decorrentes dos contratos de fornecimento de navios-sonda da Petrobras.
Ambas as condenações foram anuladas pelo Supremo e os processos, enviados à Justiça Eleitoral.
Cunha sempre negou ter cometido irregularidades. A defesa do ex-deputado argumentou, nos últimos anos, que ele foi alvo de perseguição e de condenação injusta. Os advogados também tinham pedido para que os processos fossem enviados à Justiça Eleitoral.
Autoridades que acompanham os processos veem a possibilidade de parte das condutas de Cunha já estar prescrita -quando não há mais como o Estado processar alguém por ter passado um determinado período de tempo.
Procurados sobre as denúncias aceitas neste ano pela Justiça Eleitoral, os advogados de Cunha disseram que não iriam se manifestar. Ele deixou a cadeia em 2020 e tentou voltar à Câmara em 2022, pelo PTB-SP, mas não se elegeu.
Uma das ações da Justiça Eleitoral do Rio que já prescreveu envolve Sérgio Cabral. Nela, havia suspeita de lavagem de dinheiro em sua campanha à reeleição, em 2010, com a compra de material em uma gráfica que supostamente não existia.
Processos da Lava Jato e de outras operações, que tramitavam em varas penais, passaram a ser encaminhados à Justiça Eleitoral após decisão do STF de 2019.
A decisão foi considerada uma grande derrota para a Lava Jato, e a Procuradoria-Geral da República vinha alertando que não havia estrutura na Justiça Eleitoral para lidar com processos da complexidade dos casos da operação.
Como a Folha mostrou no ano passado, o envio à Justiça Eleitoral beneficiou uma série de ex-governadores que foram alvo de operações por suspeita de irregularidades que envolvem crimes comuns e eleitorais.
Após a decisão do Supremo de 2019, o TRE-RJ (Tribunal Regional Eleitoral do Rio) criou em setembro daquele ano o chamado NAC (Núcleo de Assessoramento Criminal).
Compete ao núcleo analisar os processos da Lava Jato, e também ações relacionadas a outras operações policiais contra políticos e empresários do Rio.
Foram enviados ao núcleo, por exemplo, processos oriundos da Operação Furna da Onça, uma das fases mais emblemáticas do braço do Rio da Lava Jato.
Na Furna da Onça, foram investigadas suspeitas de um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro que envolvia deputados estaduais, além de Cabral.
Denúncia envolvendo Cabral que prendeu deputados estaduais em 2018 tramitava na Justiça Federal até março de 2021, quando o ministro do STF Gilmar Mendes determinou a ida do processo para a Justiça Eleitoral.
Até dezembro passado, dois juízes atuavam no núcleo da Justiça Eleitoral. Este ano passaram a ser três.
Segundo pessoas que acompanham os processos, a maioria dos casos da Lava Jato que foi enviada para a Justiça Eleitoral ainda está em fase de inquérito na Polícia Federal. Mesmo que parte das provas possa ser reutilizada, outra parcela teve que ser refeita, especialmente a tomada de depoimentos.
Na Operação Furna da Onça foi preciso desmembrar o processo, já que são muitos acusados e nem todos foram citados (ato que convoca a pessoa a fazer parte do processo).
Outros tiveram que ser citados novamente, até mesmo os que já tinham sido presos no âmbito federal.
Uma das pessoas que acompanham os casos afirma que, nessa situação, o processo "vira uma balbúrdia", pois inicia-se novamente uma ação penal sobre atos que já foram investigados em outros órgãos da Justiça. As etapas tornam-se nulas e precisam ser refeitas.
Uma das poucas iniciativas relacionadas à Lava Jato que vingaram na Justiça Eleitoral, ainda que por um curto período de tempo, aconteceu em São Paulo.
Em 2020, chegou a ser implantado no estado uma força-tarefa de promotores voltados a destrinchar acusações feitas por delatores de grandes empresas, em iniciativa apelidada de "Lava Jato Eleitoral".
Um dos principais processos envolvia o ex-governador de São Paulo e atual vice-presidente, Geraldo Alckmin (hoje PSB), mas ela acabou trancada em dezembro de 2022 pelo ministro Ricardo Lewandowski, então no STF, hoje no comando da pasta da Justiça.
Lewandowski considerou que a acusação usava provas do acordo de leniência da empreiteira Odebrecht (atual Novonor) que já tinham sido invalidadas em decisões contra outros réus, incluindo o presidente Lula (PT).
POR FOLHAPRESS
BRASÍLIA/DF - O ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que o ex-juiz da Lava Jato Sérgio Moro - hoje senador pelo União Brasil no Paraná - 'descumpria decisões do STF durante a Operação. Segundo o ministro, Moro 'usava a mídia para emparedar a Corte'.
"Ficamos reféns um pouco disso. O próprio ministro Teori Zavascki (que foi relator da Lava Jato no STF), em alguns momentos foi emparedado pelo próprio Sérgio Moro", afirmou Gilmar, em entrevista ao portal Brazil Journal. "Na Turma do STF por onde tramitava o caso, se o ministro Teori não aderia, ficávamos vencidos eu e o (Dias) Toffoli, por exemplo."
Para o ministro, o que mudou o cenário e a posição da Corte acerca da Operação Lava Jato foi a decisão de 2021 em que o STF declarou Moro suspeito ao condenar o então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na ação do tríplex do Guarujá.
Moro é acusado de abuso de poder econômico e caixa dois na campanha de 2022, quando se elegeu senador. O processo partiu de duas ações encabeçadas pelo PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e pela Federação Brasil da Esperança, que reúne PCdoB, PV e PT.
A defesa do senador considera que a arrecadação de recursos e as despesas na pré-campanha não precisam ser submetidas às prestações de contas eleitorais. No início de dezembro, em depoimento ao TRE-PR, Moro disse que as alegações dos partidos devem ser "descartadas". Seguiremos comprovando nas alegações finais que 98% daquilo que os partidos autores apresentaram deve ser descartado. E o que sobra não representa abuso nenhum. A eleição do senador Moro foi legal e legítima", disse a defesa de Moro ao Estadão.
O ministro reconhece que, inicialmente, ele e os outros ministros tinham "palavras de apoio" à operação. A posição mudou com o desenrolar da Lava Jato.
"Num determinado momento, os procuradores da Lava Jato saíram propondo reformas institucionais, entre elas acabar praticamente com o habeas corpus, com a possibilidade de obtenção de liminares em habeas corpus, coisa que nem o AI-5 conseguiu em plena ditadura".
Gilmar se refere à polêmica proposta 'dez medidas contra a corrupção', que a força-tarefa dos procuradores de Curitiba, liderada pelo então procurador Deltan Dalagnoll, levou ao Congresso no auge da Lava Jato. O projeto não teve êxito, foi rejeitado por deputados e senadores.
Gilmar destaca que o ex-deputado Onyx Lorenzoni (PL) era relator do caso na Câmara o que, segundo ele, mostra "uma certa conexão" entre o grupo bolsonarista e a Lava Jato antes mesmo das eleições de 2018.
O ministro do STF conta ainda que encontrou-se com o então ministro da Economia, Paulo Guedes, durante o governo Bolsonaro. Guedes teria contado a Gilmar que, entre o primeiro e o segundo turnos da eleição de 2018, ele teria sido o responsável por convidar Moro para o Ministério da Justiça.
O ex-juiz deixou o Ministério em 2020, após acusar Bolsonaro de tentar interferir politicamente no comando da Polícia Federal.
Gilmar atacou também os acordos de leniência fechados pelo Ministério Público na Lava Jato. Ele considera que o poder que o Ministério Público obteve ao avaliar que poderia fechar pactos dessa natureza "produziu, na verdade, um monstro".
O ministro afirma que a lei prevê que tais acordos seriam de responsabilidade da Controladoria Geral da União (CGU) e da Advocacia Geral da União (AGU), mas que durante a Lava Jato, a Procuradoria entendeu que também teria essa atribuição.
"Isso dá ao MP uma posição super privilegiada. Se o empresário faz acordo de leniência lá em Curitiba, sede da Lava Jato, ele o faz com medo, inclusive, da prisão", disse Gilmar.
Uma suposta coação do Ministério Público - ou falta de voluntariedade dos investigados - está na base dos pedidos de revisão dos acordos de leniência e na decisão do ministro Dias Toffoli que assim fundamentou a suspensão dos ajustes firmados pelas empresas J&F e Odebrecht com o MP.
A Procuradoria-Geral da República se coloca em oposição a essa análise. Em recursos contra as decisões de Toffoli a favor da J&F e da Odebrecht, o procurador-geral Paulo Gonet afirma não haver provas de coação nos casos, apenas "ilações e conjecturas abstratas".
A questão de quem poderia, de fato, celebrar acordos de leniência foi pacificada em agosto de 2020, quando órgãos do poder público firmaram um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) que padroniza o modelo, com a CGU e a AGU como responsáveis por conduzir tanto a negociação quanto a assinatura dos atos.
Os acordos da Lava Jato fechados pelo Ministério Público, no entanto, ocorreram antes desse marco.
Na próxima segunda, 26, o ministro André Mendonça receberá empresários, representantes de órgãos públicos e de partidos para uma audiência de conciliação, com o objetivo de discutir uma ação proposta pelo Solidariedade, PSOL e PCdoB que pede a suspensão liminar de todos os acordos de leniência da Operação Lava Jato firmados antes do ACT de 2020.
POR ESTADAO CONTEUDO
BRASÍLIA/DF - O governo federal recuperou R$ 1,265 bilhão em 2023 em acordos de leniência, firmados pela União com empresas investigadas por práticas ilícitas e corrupção de agentes públicos. Desse valor, R$ 380,7 milhões (30%) foram pagos por cinco companhias por desdobramentos da Operação Lava Jato. Os números são da Controladoria-Geral da União (CGU). As empresas que devolveram recursos ao Estado brasileiro por envolvimento na Lava Jato são: Nova Participações (antigo grupo Engevix), UTC Engenharia, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Keppel.
Do valor total recebido em 2023, quase metade correspondeu a multas pagas à União pelas práticas ilícitas, como determina a lei – R$ 549 milhões (43,4%). O ente público com maior prejuízo pelas ações de corrupção foi a Petrobras, que recebeu R$ 470 milhões, 37% das parcelas dos acordos de leniência pagas no ano passado. O montante de R$ 191 milhões (15%) foi pago à União a título de ressarcimento. A lista contém, ainda, órgãos estaduais e empresas públicas.
O dado total de 2023 é inferior ao observado nos períodos anteriores, à exceção de 2020 e 2017, primeiro ano do qual a CGU tem registro. Confira:
• 2023: R$ 1,265 bilhão
• 2022: R$ 1,994 bilhão
• 2021: R$ 1,966 bilhão
• 2020: R$ 655 milhões
• 2019: R$ 1,777 bilhão
• 2018: R$ 1,139 bilhão
• 2017: R$ 29,926 milhões
Os valores pagos pelas empresas em 2023 não correspondem à quantia total do acordo, já que o repasse das parcelas pode ser feito anualmente, a depender dos termos firmados com a União.
Atualmente, a CGU negocia 20 acordos de leniência. Questionada pela reportagem sobre as empresas envolvidas e os valores, o órgão afirmou que os dados são, por lei, sigilosos até a efetivação do procedimento. A CGU informou ao R7 que espera concluir parte desses acordos ainda no primeiro semestre deste ano.
Entenda
O advogado e professor de direito constitucional e militar Fabio Tavares Sobreira explica que os acordos de leniência estão previstos desde 2013, na chamada Lei Anticorrupção, mas que passaram a vigorar com mais fôlego a partir de 2015. O especialista destaca que o procedimento é um mecanismo válido para combater a corrupção e serve como instrumento de investigação.
“Quando é celebrado, deve ficar evidenciado quais os benefícios para a investigação e das esferas de responsabilização. A base jurídica para o acordo está no artigo 129 da Constituição Federal; a segunda base legal são os artigos 5º e 6º da Lei 7.347 de 1985; além das convenções de Palermo e Mérida”, explica o advogado e professor de direito constitucional e militar Fabio Tavares Sobreira.
“É necessário haver uma proposta, ou por parte do poder público, ou por parte da pessoa jurídica que esteja implicada naquele ato de improbidade, e há, então, uma negociação entre as partes. O nome acordo é exatamente por isso, porque a lei prevê uma negociação entre as partes, há uma margem de discricionariedade, de proposta e contraproposta”, acrescenta Acácio Miranda da Silva Filho, doutor em direito constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), no Distrito Federal.
“A empresa parte do acordo vai confessar o crime, o ato de improbidade, geralmente corrupção, e vai firmar compromisso. E é importante fixar isso, uma vez que, caso descumprido, esse acordo de leniência pode ser rescindido”, alerta Sobreira. “Mas não é automático. Quando a parte começa a descumprir os compromissos, tem que ser instaurado procedimento administrativo e o Ministério Público vai investigar os motivos da quebra de compromissos e, antes de rescindir, oferecer, se for o caso, uma repactuação. E aí, sim, se na repactuação, a parte vier a descumprir, o acordo será rescindido. ”
Silva Filho afirma que a empresa tem que colaborar com as investigações. Neste caso, são utilizados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. “De alguma forma, a parte jurídica deve contribuir e, a rigor, o acordo funciona para situações em que há diversos implicados e o órgão força um deles a ‘dedurar’ os demais. Claro que as avaliações dessas informações levadas pela parte jurídica são subjetivas, mas existem parâmetros. As informações têm que ser superiores aos danos causados. No âmbito federal, por exemplo, a Controladoria-Geral da União criou um órgão interno que faz a análise desses acordos de leniência”, relata.
Ana Isabel Mansur e Plínio Aguiar, do R7
BRASÍLIA/DF - Um juiz superpoderoso que concentra em suas mãos processos de grande repercussão e adota decisões controversas a partir de aplicações inovadoras da lei.
Para alguns, a descrição se aplicaria facilmente à atuação do hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR) quando era juiz da Operação Lava Jato, à frente da 13ª Vara de Curitiba.
Para outros, ela define bem o desempenho de Alexandre de Moraes como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Mas seria correto aplicar a descrição a ambos?
A BBC News Brasil conversou com juristas para entender se o país vive uma espécie de "Lava Jato às avessas", com métodos questionáveis usados na operação — que atingiu em especial o PT e outros partidos da base do governo de Dilma Rousseff — sendo adotados nas Cortes superiores, sob a liderança de Moraes, agora contra o campo bolsonarista e ex-integrantes da própria Lava Jato, como o deputado cassado pelo TSE Deltan Dalagnoll (Podemos-PR), antigo chefe da força-tarefa do Ministério Público Federal em Curitiba.
As avaliações são diversas (confira em detalhes ao longo da reportagem). Em geral, entrevistados apontam algumas semelhanças, em especial na grande concentração de casos importantes no gabinete de um mesmo magistrado, algo que parece desrespeitar o princípio do juiz natural, uma garantia constitucional que busca evitar perseguições com o direcionamento de investigações para determinado promotor ou juiz.
Por outro lado, também enfatizaram diferenças relevantes entre os dois casos, como a relação indevida de parceria entre o Ministério Público Federal e Sergio Moro, que não se repete na atuação da Procuradoria-Geral da República nas investigações sob relatoria de Moraes. Ou a obtenção de acordos de delação premiada após longas prisões preventivas, uma prática comum na Lava Jato que até hoje não foi usada nas investigações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados que tramitam no gabinete de Moraes.
Entre semelhanças e diferenças, decisões consideradas questionáveis foram tomadas por ambos. Por exemplo, quando Moro decretou em 2016 a condução coercitiva do então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, agora de volta ao comando do país. A medida foi tomada mesmo sem uma convocação prévia para o petista depor, o que contrariava frontalmente o texto da lei, segundo especialistas.
Ou, no caso de Moraes, quando decidiu afastar o governador do Distrito Federal (DF), Ibanês Rocha, por 90 dias, após a invasão das sedes dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro. A decisão gerou controvérsia porque foi tomada sem pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) e quando Lula já havia determinado a intervenção federal na área de segurança do DF.
Muita responsabilidade traz riscos maiores
Para Fábio de Sá e Silva, professor da Universidade de Oklahoma (EUA) e autor de estudos sobre a Lava Jato, as grandes responsabilidades depositadas sobre o então juiz Sergio Moro (o combate à corrupção) e agora sobre Alexandre de Moraes (a defesa da democracia) trazem o risco de decisões controversas ou mesmo fora da lei.
"Tanto o Moro quanto o Alexandre são juízes que estão lidando com questões complexas e que têm uma ampla repercussão na sociedade e na política. Isso aproxima muito os dois. Mas os instrumentos que o juiz tem para interferir na realidade e conseguir enfrentar essas questões complexas são sempre muito limitados, porque o juiz age dentro da lei, ou pelo menos tem que agir", afirma.
"Então, se fica tudo nas costas do juiz, seja enfrentar a corrupção, seja defender a democracia, o risco que existe de fazer um uso não autorizado desses instrumentos é sempre muito grande", ressalta.
O advogado Horácio Neiva, doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito na USP, tem leitura semelhante. Para ele, tanto a atuação da Lava Jato como a de Moraes têm um traço em comum: a instrumentalização do direito na busca de um resultado. Essa instrumentalização, segundo Neiva, consiste em interpretar as leis de forma excepcional para alcançar determinado objetivo.
"No caso da Lava Jato, era a instrumentalização do direito para obter o resultado combate à corrupção. E agora, no caso (de Moraes), tem sido a instrumentalização sob o argumento de proteção à democracia", afirma.
"O excesso de instrumentalização foi o que pegou a Lava Jato, o que permitiu uma reação (à operação). Quando você se afasta da legalidade estrita pontualmente, às vezes consegue justificar, mas quando é sistemático, não. Isso me parece que também é um risco para o Supremo e o TSE. Uma hora a exceção vai ter que parar, sob pena dela virar regra", afirma Neiva.
Para o advogado, a grande concentração de casos nas mãos de Moro e Moraes ilustra bem essa instrumentalização. Embora a lei brasileira preveja que novas investigações que têm conexão com outras em andamento devem ser distribuídas por prevenção ao mesmo juiz, o advogado avalia que têm sido adotadas interpretações forçadas para manter casos distintos no gabinete do ministro, como ocorreu na Lava Jato.
O resultado, nota ele, é o desrespeito a regras previstas em lei que determinam em qual vara um caso será investigado e julgado. Isso vai depender, por exemplo, de qual é o suposto crime, o local que ele teria sido cometido e quem são os suspeitos (se possuem foro especial ou não).
Como Moro e Moraes concentraram tantos poderes?
Um fator importante para explicar os "superpoderes" adquiridos pelo então juiz Sergio Moro e agora por Moraes é a grande quantidade de casos com impacto político sob suas responsabilidades, acreditam os juristas entrevistados. Mas como isso aconteceu?
A Operação Lava Jato, iniciada em 2014, sacudiu o país ao atingir, de forma inédita, executivos e políticos poderosos, acusados de desviar recursos públicos da Petrobras e de outras estatais e obras públicas. O preso mais ilustre foi Lula, reeleito presidente após ter suas condenações anuladas pelo Supremo.
Muito celebrada inicialmente, contando com grande apoio popular e respaldo das Cortes Superiores, a operação conseguiu aval do STF para concentrar as investigações que envolviam possíveis desvios da petrolífera na 13ª Vara de Curitiba. Isso deu grandes poderes a Moro, ao colocar em suas mãos o julgamento de supostos crimes cometidos nos mais variados cantos do Brasil.
O argumento era de que todos esses casos teriam relação com um grande esquema de corrupção revelado a partir de desdobramentos de investigações contra organizações criminosas que atuavam no Paraná, envolvendo doleiros, como Alberto Youssef, e o ex-deputado federal do PP José Janene.
Posteriormente, quando a operação perdeu credibilidade com a entrada de Moro no governo de Jair Bolsonaro e o vazamento de diálogos que indicavam uma espécie de conluio entre o então juiz e Dalagnoll, os questionamentos a essa grande concentração de casos em Curitiba ganharam força.
As condenações contra Lula, por exemplo, foram anuladas depois que o STF entendeu que os supostos crimes deveriam ser julgados na Justiça Federal de Brasília, já que não havia evidência suficiente de que ele teria sido beneficiado por empreiteiras com recursos desviados da Petrobras (argumento usado para concentrar os casos em Curitiba), como alegava a força-tarefa da operação.
Depois, essas anulações foram reforçadas em outra decisão do Supremo, que considerou Moro parcial nos processos contra Lula. Os casos acabaram prescrevendo e foram encerrados sem novo julgamento em Brasília.
Como ocorreu na Lava Jato, a grande concentração de investigações nas mãos de Moraes também deu grandes poderes ao ministro e tem provocado questionamentos.
O ministro se tornou relator de inquéritos que investigam os mais diversos crimes relacionados a Jair Bolsonaro e seus aliados: de ataques antidemocráticos aos Três Poderes no 8 de janeiro à suposta tentativa do ex-presidente de incorporar joias doadas à Presidência da República ao seu patrimônio pessoal, passando pela falsificação de certificados de vacina contra covid-19.
As investigações concentradas no gabinete de Moraes tiveram origem no chamado inquérito das Fake News, alvo de controvérsia jurídica já no seu início, por ter sido aberto em 2019 por decisão direta do então presidente do STF, Dias Toffoli. Isso foi feito à revelia da PGR – ou seja, sem a participação do Ministério Público, que é a instituição responsável por investigar e denunciar criminalmente no país, segundo a Constituição Federal.
No entanto, julgamento do STF de junho de 2020 considerou o inquérito legal. A avaliação foi que o Supremo pode abrir investigação quando ataques criminosos forem cometidos contra a própria Corte e seus membros, representando ameaças contra os Poderes instituídos, o Estado de Direito e a democracia.
A partir daí, outros inquéritos foram instaurados, como os que investigam atos antidemocráticos ou a atuação de milícias digitais. Em vez de a relatoria dessas investigações serem sorteadas entre os ministros do STF, elas foram mantidas com Moraes, sob a justificativa de apurarem possíveis crimes relacionados ao inquérito inicial.
O professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal Fluminense (UFF) João Pedro Pádua questiona se parte dessas novas investigações deveria ser mantida no Supremo, já que em alguns casos não está claro se há pessoas com foro privilegiado (devido ao sigilo de parte dos inquéritos, nem tudo é de conhecimento público).
Porém, ainda que haja fundamento para o foro no STF, ele defende que seria mais adequado sortear a relatoria entre todos os ministros da Corte nos casos sem forte conexão com os inquéritos que já tramitam no gabinete de Moraes.
"Essa concentração de competência (no gabinete de Moraes) é muito questionável. E, aparentemente, o motivo pelo qual ela (a competência) está sendo mantida é a mesma que levou o STF a manter muitos casos com Moro por anos: é um juiz forte, sem medo de tomar decisões duras, e que está tomando uma posição que, no âmbito da esfera pública, é a posição que está sendo mais valorizada", analisa Pádua.
"No momento, essa posição é a de ser duro com o grupo bolsonarista, com pessoas ligadas à extrema direita. Então, como essa posição é a preferida pela comunidade jurídica, pela comunidade política de modo geral, o Supremo Tribunal Federal mantém, com pouquíssimas dissidências, as competências concentradas em si mesmo, no Supremo, e, dentro dele, na relatoria do ministro Alexandre de Moraes", acrescenta.
Pádua e Horácio Neiva citaram como exemplo o inquérito que investiga a fraude nos certificados de vacinas. Para ambos, essa investigação não parece ter forte conexão com outras que já tramitam no gabinete do ministro.
Foi a partir desse inquérito que Moraes autorizou uma operação que apreendeu o celular de Jair Bolsonaro e prendeu aliados próximos, como Mauro Cid, que foi ajudante de ordens do ex-presidente.
Conforme mostrou reportagem do jornal Folha de S.Paulo, Moraes justificou manter sob sua relatoria essa investigação com o argumento de que a falsificação dos certificados foi usada para manter a coerência da campanha de desinformação contra vacinas da covid-19. Por isso, argumentou o ministro, o caso teria conexão com o inquérito das milícias digitais, do qual é relator e apura a disseminação de notícias falsas nas redes sociais, inclusive sobre os imunizantes.
"Esse caso da vacina é um exemplo bastante elucidativo disso (a manipulação da competência). Porque dizer que falsificar (certificado de) vacina tem a ver com desmerecer a vacina é até engraçado. É exatamente o oposto", critica Pádua.
Para a professora de direito constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Estefânia Barboza, a concentração dos inquéritos no gabinete de Moraes acaba fragilizando o STF.
"Os tribunais existem justamente para serem colegiados. É a colegialidade que dá legitimidade aos tribunais, (que garante a) imparcialidade. Na hora que eu coloco todas as questões que envolvem discussão de crimes na esfera digital, ou relacionados a atentados à democracia ou a fake news com um ministro, eu acho que enfraquece o tribunal como um todo", avalia.
A professora lembra que um dos argumentos que foram usados para justificar a manutenção dos inquéritos com Moraes seria uma suposta omissão de órgãos de investigação, como Polícia Federal e Procuradoria-Geral da República, para apurar os ataques à Corte e suspeitas contra aliados de Bolsonaro durante seu governo. Para Barboza, esse contexto mudou com a troca de presidente.
"Me parece que agora é preciso caminhar para normalidade, não estamos vivendo um estado de exceção. Você tem o Lula como presidente, você tem as instituições funcionando, então não se pode usar das práticas que a gente condenava antes. Não queremos um 'lavajativismo' da esquerda, né?", questiona.
À BBC News Brasil, o jurista Miguel Reale Júnior defendeu que haja uma "uma análise mais detida" sobre a distribuição de novas investigações que eventualmente sejam abertas no STF.
Ele, porém, lembrou que o plenário do Supremo validou a concentração da relatoria dos inquéritos com Moraes e elogiou a atuação da Corte na "defesa da democracia" diante de "fatos gravíssimos".
"Eu critiquei a cassação do Deltan (pelo TSE), mas eu não vejo nenhum 'lavajatismo' ou alguma parcialidade nas decisões que são feitas em defesa da democracia. O papel do Supremo Tribunal Federal foi fundamental", defendeu.
"Quem segurou a democracia no país, durante o governo Bolsonaro, e também diante da omissão da Procuradoria (PGR), foi o Supremo", disse.
Procurado por meio da assessoria do Supremo Tribunal Federal, Moraes não quis se manifestar.
Para professor da USP, há grandes diferenças entre Moraes e Moro
Apesar de concordar que a concentração de investigações e processos em um mesmo juiz é "um ponto de crítica semelhante" a Moro e Moraes, o professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Rafael Mafei vê grandes diferenças entre os dois casos e considera equivocado usar a Lava Jato como parâmetro para supostos erros do ministro.
"Eu fico um pouco preocupado com as pessoas usarem a Lava Jato como o gabarito da crítica porque acho que isso força uma série de comparações que são equivocadas e, às vezes, a gente perde a oportunidade de fazer críticas, e eventualmente, apontar coisas erradas (na atuação de Moraes), mas que não têm nada a ver com a Lava Jato", diz Mafei.
O professor aponta duas diferenças que considera importantes entre os dois casos. A primeira, diz, seria a existência de um "conluio entre juiz e promotor" no caso da operação.
Essa crítica ganhou força quando uma série de reportagens do portal The Intercept Brasil conhecida como Vaza Jato revelou supostos diálogos privados da força-tarefa da operação, inclusive conversas entre Dallagnol e Moro que indicavam uma atuação coordenada entre Ministério Público e o juiz nos processos contra Lula e outros acusados.
"Para mim, (esse conluio) é a grande marca do abuso da Lava Jato. E é completamente inexistente no caso das críticas que podem ser feitas Alexandre de Moraes. Aliás, uma das principais críticas que se faz ao Alexandre de Moraes deriva justamente do fato de que a atuação do Ministério Público Federal foi tudo menos aquilo que ele queria", ressalta.
A segunda grande diferença, na visão de Mafei, seria a presença de um direcionamento político-ideológico apenas na Lava Jato. Para ele, a operação mirou principalmente os partidos da base dos governos de Lula e Dilma – PT, MDB, PP e PL – com objetivo de enfraquecê-los.
Como exemplo, aponta a divulgação da delação do ex-ministro petista Antonio Palloci com graves acusações contra Lula às vésperas da eleição presidencial de 2018, quando o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), foi derrotado por Bolsonaro. A retirada do sigilo foi determinada por Moro de ofício, ou seja, sem pedido do MPF.
As mensagens hackeadas do celular de Deltan Dallagnol, divulgadas pela Vaza Jato e depois apreendidas pela Polícia Federal na operação "Spoofing", mostraram que a decisão de Moro foi criticada mesmo por procuradores em um grupo de conversa, revelou reportagem do portal Conjur.
"Parece que o Judiciário está tentando, mais uma vez, ser protagonista do processo político. Vejo nesse levantamento do sigilo tentativa de influenciar na eleição presidencial. Espero estar errado", disse, por exemplo, o procurador João Carlos de Carvalho Rocha.
Para Mafei, o fato de as investigações no gabinete de Moraes mirarem principalmente Bolsonaro e seus aliados não se trata de uma perseguição ao grupo, mas de uma reação a ataques que partiram desse campo ao Poder Judiciário.
"Tirando as pessoas que vivem no delírio mais amalucado da interpretação política, não acho que exista qualquer um que ache que o Moraes esteja mancomunado com o PT por afinidade ideológica para dar hegemonia à esquerda", avalia.
"O Moraes é uma pessoa que tem histórico de filiação e de atuação política adversária à esquerda. E os embates que ele teve com o espectro específico de Jair Bolsonaro foram no contexto de uma reação a ataques feitos ao sistema de Justiça, à Justiça Eleitoral e ao Supremo Tribunal Federal", reforça.
Moro e Dallagnol sempre negaram qualquer ilegalidade nas conversas reveladas pela Vaza Jato. Eles criticam a anulação das condenações e destacam os R$ 6,7 bilhões recuperados pela Petrobras de empresas e ex-executivos alvos da Lava Jato como comprovação dos crimes combatidos pela operação.
"Não tem inocente que foi condenado na Lava Jato. Quem foi condenado é porque pagou suborno ou porque recebeu suborno. Você não vai encontrar nada naquelas mensagens (mostradas na Vaza Jato) de alguém que foi incriminado indevidamente", afirmou Moro em entrevista ao UOL no ano passado.
"Ora, a Petrobras recuperou R$ 6 bilhões. Ela mesmo divulgou. Não é uma estimativa. Você teve as pessoas que confessaram os crimes. Você teve as grandes empreiteiras que pagaram indenizações e multas. Os fatos estão lá, eles existiram", disse também na ocasião.
Prisões abusivas?
Moraes também tem sido questionado por possível uso abusivo de prisões preventivas com objetivo de forçar delações premiadas, uma crítica comum à Lava Jato.
Até o momento, porém, não há informação pública de que algum acordo de colaboração foi firmado nos inquéritos que tramitam no gabinete do ministro contra o campo bolsonarista.
Um dos casos que levantou esses questionamentos foi o do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres, que ficou cerca de quatro meses preso por determinação de Moraes. Ele é investigado por suposta omissão nos ataques golpistas de 8 de janeiro, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas. Naquele momento, Torres era o secretário de Segurança do Distrito Federal, órgão responsável por proteger os prédios públicos em Brasília.
A decisão inicial pela prisão de Torres foi referendada pela maioria do STF (9 votos a 2), no julgamento que manteve também o afastamento do governador Ibaneis Rocha. Depois, Moraes prorrogou a prisão preventiva sob argumento de que era "adequada para garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal", ou seja, para evitar a repetição dos supostos crimes e não atrapalhar a investigação.
Torres foi solto em maio, sob condições como usar tornozeleira eletrônica, não portar arma de fogo e ficar afastado das redes sociais.
Para aliados de Bolsonaro, a prisão teria objetivo de forçar uma delação premiada que atingisse o ex-presidente. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) chegou a dizer que Torres teria "procurado se suicidar".
"Não há qualquer motivo para a prisão. Anderson Torres já tem um quadro depressivo. (…) A prisão preventiva se enquadra apenas quando existe risco de fuga, que não foi o caso. Anderson Torres, inclusive, retornou ao país (dos Estados Unidos). Ele não está atrapalhando as investigações nem pondo sob risco a ordem econômica ou a ordem pública", disse o deputado ao portal Metrópoles.
Outro aliado próximo de Bolsonaro que segue preso é seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid. Alvo de diferentes inquéritos no gabinete de Moraes, ele foi detido preventivamente no início de maio, no caso dos cartões falsos de vacinação, com a justificativa de que poderia atrapalhar as investigações caso estivesse solto.
Autor do livro Prisões Preventivas da Lava Jato – Uma análise empírica e crítica de seus fundamentos, o advogado Álvaro Chaves estudou as prisões determinadas por Moro entre 2014 e 2017 em sua pesquisa de mestrado, na Universidade de Brasília (UnB).
Ressaltando não ter o mesmo conhecimento aprofundado das decisões de Moraes, ele apontou à BBC News Brasil duas diferenças entre as prisões determinadas pelo ministro e as da Lava Jato: a duração e a liberação após a delação premiada.
"Analisando a questão temporal, me parece que não tem nenhum paralelo esse tipo de comparação (entre prisões de Moro e Moraes). Houve prisões na Lava Jato que duraram três anos, dois anos e meio. E o Torres ficou preso quatro meses. Se você pegar uma análise mínima da jurisprudência, eu te desafio a achar (alguma decisão que aponte) excesso de prazo com quatro meses", ressalta.
Na sua pesquisa sobre Lava Jato, Chaves analisou também as decisões em que Moro revogou prisões preventivas. Na metade dos casos estudados, a pessoa foi solta após fechar acordo de delação.
"Fiz uma análise histórica de três anos que, na minha visão, mostra que esse modo de agir é bastante claro. As prisões da Lava Jato tinham, sim, a finalidade de aumentar os acordos de colaboração premiada", avalia o advogado.
"No caso do Torres, ficou preso quatro meses, algo ordinário no Brasil, e o Moraes não soltou ele porque estava negociando delação premiada. Na Lava Jato, teve prisão preventiva que foi revogada por Moro antes da pessoa ser presa, porque a pessoa começou a negociar a delação", disse ainda.
A controversa cassação de Deltan
Além de concentrar a relatoria de inquéritos importantes, Moraes acumula mais poderes no momento por ser o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O comando da Corte é exercido rotativamente por ministros do STF e o mandato de Moraes vai até junho de 2024.
Ele decidirá, por exemplo, quando será julgada uma ação que tem potencial de deixar Jair Bolsonaro inelegível por oito anos, por suspeita de ter cometido falsos ataques ao sistema eleitoral brasileiro. O caso foi liberado no final de maio pelo corregedor da Justiça Eleitoral, o ministro Benedito Gonçalves, que hoje é visto como um aliado de Moraes no TSE. No total, o ex-presidente enfrenta 16 ações que pedem sua inelegibilidade.
Especialistas eleitorais, como a advogada Vânia Aieta, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), veem risco real do ex-presidente ser condenado, tanto pelos ataques ao sistema eleitoral, como por uso da máquina pública para favorecê-lo na campanha de 2022.
Bolsonaro, por sua vez, nega qualquer irregularidade e diz que as críticas que fez às urnas eletrônicas eram uma preocupação legítima com a segurança da votação.
Enquanto o julgamento mais aguardado do ano não chega, o TSE enfrentou outra ação importante em maio, quando decidiu por unanimidade cassar o mandato de deputado de Dallagnol, com base na Lei da Ficha Limpa. Essa lei estabelece que membros do Ministério Público não podem disputar a eleição caso tenham Processos Administrativos Disciplinares (PADs) pendentes ao deixar o cargo para se candidatar.
Dallagnol não tinha processos abertos quando pediu demissão do MPF, mas enfrentava outros 15 procedimentos preliminares relacionados a supostos abusos quando atuava na Lava Jato que, em tese, poderiam resultar na abertura de novos PADs.
Como o então procurador se demitiu meses antes do prazo para disputar eleição, o TSE entendeu que ele antecipou sua saída para evitar a abertura de um PAD contra si, realizando assim uma fraude ao objetivo da lei da Ficha Limpa de evitar que integrantes do Ministério Público que enfrentem esses processos possam disputar eleição.
A decisão dividiu juristas. Na visão do ex-juiz eleitoral Márlon Reis, considerado o idealizador da Lei da Ficha Limpa, a decisão do TSE foi "irretocável" e seguiu o "espírito da lei" de buscar evitar que autoridades driblem as hipóteses de inelegibilidade.
Já Reale Júnior considerou a decisão arbitrária, ao cassar o mandato de Dallagnol sem que houvesse de fato um PAD aberto contra ele. Na sua visão, a decisão alimenta o discurso do ex-procurador de perseguição aos antigos integrantes da Lava Jato.
"Eu creio que dá fôlego para essa argumentação, e dá fôlego para alimentar esse antagonismo, esse Brasil como um rio fora do leito, espalhando e disseminando controvérsias e ódios. Então não facilita de forma nenhuma a união", criticou.
"Eu acho que a decisão do TSE foi, a meu ver, manifestamente errada e não se pode fazer uma ampliação da lei para punir gravemente com perda de mandato", disse ainda.
por Mariana Schreiber - Da BBC News Brasil em Brasília
BRASÍLIA/DF - O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na quinta-feira (25), que todos os ministros da Corte vão votar para definir a pena do ex-senador e ex-presidente da República Fernando Collor, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato. A votação será na próxima quarta-feira (31).
Na sessão de hoje, a sexta destinada ao julgamento, após decidir pela condenação do ex-senador, o plenário definiu que os ministros que votaram para absolver Collor das acusações também poderão se manifestar sobre a dosimetria da pena, o cálculo que define a sentença final que deverá ser cumprida.
Durante o julgamento, o relator, ministro Edson Fachin, entendeu que os colegas que se manifestaram pela absolvição da Collor não podem votar na dosimetria. Contudo, o entendimento ficou vencido por 7 votos a 2.
O ministro Dias Toffoli defendeu que os membros do tribunal não podem ser impedidos de votar. Toffoli afirmou que, no julgamento do mensalão, chegou a votar para condenar ex-presidente do PT José Genoino para poder participar da votação da pena.
"Votei em alguns casos da Ação Penal 470 para condenar e participar da dosimetria, para poder influenciar, já que me tiraram o direito de absolver. Somos um colegiado, e ninguém pode tirar o voto de ninguém. Nós somos iguais", afirmou.
Toffoli também falou em "corrigir injustiças" que foram feitas pelo STF.
"Nós estamos a corrigir injustiças que foram feitas e não temos que ter vergonha de pedir desculpas de erros judiciais que cometemos. Estamos aqui a corrigir injustiças, e pessoas sofreram por injustiças que cometemos no passado", completou.
Além do relator, também votaram pela condenação de Collor os ministros Alexandre de Moraes, André Mendonça, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Rosa Weber.
Nunes Marques e Gilmar Mendes votaram pela absolvição.
No início da sessão, o Supremo, por 8 votos a 2, decidiu condenar Fernando Collor.
Para o tribunal, como antigo dirigente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Collor foi responsável por indicações políticas para a BR Distribuidora, empresa subsidiária da Petrobras, e recebeu R$ 20 milhões em vantagens indevidas em contratos da empresa. Os crimes teriam ocorrido entre 2010 e 2014.
Durante o julgamento, o advogado Marcelo Bessa pediu a absolvição de Collor. A defesa alegou que as acusações da PGR estão baseadas em depoimentos de delação premiada e não foram apresentadas provas que incriminassem o ex-senador.
Bessa também negou que Collor tenha sido responsável pela indicação de diretores da empresa. Segundo o advogado, os delatores acusaram Collor com base em comentários de terceiros.
"Não há nenhuma prova idônea que corrobore essa versão do Ministério Público. Se tem aqui uma versão posta, única e exclusivamente, por colaboradores premiados, que não dizem que a arrecadação desses valores teria relação com Collor ou com suposta intermediação desse contrato de embandeiramento", finalizou.
Por André Richter - Repórter da Agência Brasil
BRASÍLIA/DF - O plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu ontem (30), em Brasília, arquivar três processos que apuravam o uso de recursos ilícitos desviados da Petrobras nas campanhas eleitorais de 2014, envolvendo os partidos PT, PMDB e PP. Os casos estavam relacionados às revelações de caixa dois (recursos não declarados) provenientes da Operação Lava Jato.
As três representações haviam sido abertas em 2016, por iniciativa da então corregedora-geral eleitoral, ministra Maria Thereza de Assis Moura. Ela decidiu abrir os processos após receber grande volume de documentos encaminhados pelo ex-juiz Sergio Moro, então responsável pela Lava Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba.
“Constato, nesta análise preliminar da documentação, indícios de práticas ilegais tanto por parte do Partido dos Trabalhadores (PT), quanto pelo Partido Progressista (PP) e pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB)”, escreveu ela na ocasião.
No mesmo despacho, ela havia decidido pela distribuição - por sorteio - dos casos para outros relatores no TSE, por entender que não deveriam ser de responsabilidade somente da corregedoria, ante o tamanho e a gravidade das acusações.
Os casos ficaram quase um ano parados enquanto o plenário do TSE decidia se deveria haver a distribuição livre ou não. Ao final, as representações acabaram sendo distribuídas para relatoria da ministra Rosa Weber e do ministro Luiz Fux.
Ainda em 2020, os relatores votaram pelo arquivamento dos processos. Em seguida, o corregedor Luís Felipe Salomão, que sucedeu Maria Thereza de Assis Moura, pediu vista (mais tempo de análise) dos processos, que ficaram parados desde então.
Nesta quinta-feira, o atual corregedor-geral eleitoral, Benedito Gonçalves, devolveu as vistas e decidiu acompanhar os votos pelo arquivamento. “Não há o mínimo suporte de prova para poder prosseguir com a investigação”, afirmou ele. Os demais ministros fizeram o mesmo. Com isso, as representações serão arquivadas antes mesmo de se tornarem ações de investigação judicial eleitoral (Aije’s).
Por Felipe Pontes - Repórter da Agência Brasil
EUA - O ex-juiz Sergio Moro enfrentou uma plateia crítica na sua participação em um evento de brasileiros nos Estados Unidos no sábado (9).
O público que antes o aplaudia agora saudou uma pergunta sobre eventual erro (o entrevistador chegou a usar a expressão “crime”) durante a operação Lava Jato. Hoje, Moro é político filiado ao União Brasil.
O questionamento foi sobre Moro ter indicado uma testemunha ao procurador Deltan Dallagnol quando era juiz da Lava Jato. Quem fez a pergunta foi o advogado Augusto de Arruda Botelho, crítico da operação, ex-analista da CNN Brasil e que se filiou ao PSB junto com Geraldo Alckmin.
Eis o trecho em que Moro é pressionado por Augusto Botelho (7min45s):
O motivo da pergunta foi diálogo por mensagens de celular revelado pelo site The Intercept Brasil em 2019 –a série de reportagens ficou conhecida como Vaza Jato. Depois de comunicar a Moro que a testemunha indicada por ele não quis falar por telefone, Deltan afirma que faria uma intimação com base em “notícia apócrifa”. O então juiz consentiu: “Melhor formalizar”.
“Não é uma conversa, com todo respeito, cotidiana entre advogados, juízes e partes”, declarou Botelho durante o evento. “No momento em que o senhor indica uma testemunha para o Deltan o senhor chamou isso de descuido”, disse.
“Isso aqui é uma falsidade ideológica [dizer que a testemunha foi citada de forma apócrifa em vez de por Moro]. O senhor não só não repreendeu o procurador como concordou. O que faz, com imenso respeito a senhor, quase que coautor do crime de falsidade ideológica. O senhor acha essa conversa normal?”, pergunta Botelho –e o público aplaude.
Na resposta, Moro disse que não tem certeza se essa troca de mensagens aconteceu –em 2019, ele declarou o seguinte sobre o caso: “Pode ter havido algum descuido formal, mas, enfim, isso não é nenhum ilícito”.
Ele também disse que não houve formalização da “denúncia anônima”.
“É uma fantasia que o você está construindo. Ninguém foi incriminado com base em prova fraudada na Lava Jato”, declarou o ex-juiz em sua resposta ao advogado.
Não houve aplausos a Moro nessa parte. Ele foi saudado por parte do público pouco antes, quando disse o seguinte: “O que existe é uma construção de uma narrativa fantasiosa para colocar criminosos em liberdade”.
As declarações foram na Brazil Conference, evento promovido anualmente desde 2015 por estudantes brasileiros da região de Boston, nos EUA, local conhecido por receber há décadas imigrantes ilegais latinos, sobretudo do Brasil.
Apesar de ser numa cidade norte-americana, a maioria dos painéis é com brasileiros falando em português no palco e plateia composta majoritariamente também por pessoas do Brasil, como se fosse numa conferência realizada em São Paulo ou no Rio de Janeiro.
Só foi em inglês o painel de Jorge Paulo Lemann, fluente nesse idioma. Quando jovem, ele estudou em Harvard (universidade que fica em Cambridge, cidade conurbada a Boston) e é conhecido por fazer doações para essa instituição de ensino. O empresário é um dos principais financiadores do evento anual de estudantes brasileiros da região, por meio da Fundação Lemann.
BRASÍLIA/DF - O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu hoje (8) anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Operação Lava Jato. Na decisão, o ministro entendeu que a 13ª Vara Federal em Curitiba não tinha competência legal para julgar as acusações. Com a decisão, o ex-presidente não terá mais restrições na Justiça Eleitoral e está elegível para disputar um cargo público.
Pela decisão, ficam anuladas as condenações nos casos do triplex do Guarujá (SP), com pena de 8 anos e 10 meses de prisão, e do sítio em Atibaia, na qual Lula recebeu pena de 17 anos de prisão. Os processos deverão ser remetidos para a Justiça Federal em Brasília para nova análise do caso.
A anulação ocorreu porque Fachin reconheceu que as acusações da força-tarefa da Lava Jato contra Lula não estavam relacionadas diretamente com os desvios na Petrobras. Dessa forma, seguido precedentes da Corte, o ministro remeteu os processos para a Justiça Federal em Brasília.
"Apesar de vencido diversas vezes quanto a tema, o relator [Fachin], tendo em consideração a evolução da matéria na 2ª Turma em casos semelhantes, entendeu que deve ser aplicado ao ex-presidente da República o mesmo entendimento, reconhecendo-se que a 13ª Vara Federal de Curitiba não era o juiz natural dos casos”, diz nota do gabinete de Fachin.
A condenação no caso do triplex foi proferida pelo então juiz Sergio Moro. No caso do sítio de Atibaia, Lula foi sentenciado pela juíza Gabriela Hardt.
A decisão também atinge o processo sobre supostas doações irregulares ao Instituto Lula. O processo ainda está em tramitação na 13ª Vara e também deverá ser enviado para Brasília.
*Por André Richter – Repórter da Agência Brasil
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