ALEMANHA - Nove das principais montadoras globais anunciaram até agora aportes de mais de US$ 200 bilhões no desenvolvimento e produção de veículos elétricos na Ásia, Europa e América do Norte, a maior parte para ser gasta até 2025. A conta é da consultoria KPMG internacional, que considera o valor “um tsunami de investimentos” previstos para um segmento de produto que, hoje, corresponde a 5% das vendas mundiais de automóveis.
O valor não inclui cerca de US$ 60 bilhões investidos em startups, nem os montantes que estão sendo gastos por montadoras de menor porte e fabricantes de autopeças. As nove fabricantes são Volkswagen, BMW, General Motors, Daimler/Mercedes-Benz, Ford, Hyundai, Tesla, Fiat/Chrysler e Toyota.
Nos próximos três anos está prevista, por enquanto, a chegada de 250 novos modelos 100% elétricos das várias fabricantes. “Essa é a fotografia de agora, mas outros lançamentos serão anunciados nesses três anos”, prevê Ricardo Bacellar, líder da área automotiva da KPMG no Brasil.
No ano passado foram vendidos em todo o mundo 3,1 milhões de carros elétricos, ante 2 milhões em 2019, segundo relatório da International Energy Agency (IEA). No Brasil foram apenas 801 unidades (e 18,9 mil híbridos). Ao todo, há uma frota de cerca de 10 milhões de automóveis elétricos rodando pelo mundo e 1 milhão de vans, caminhões e ônibus.
Veículo a combustão será mantido por décadas
Mesmo com tantos investimentos em carros movidos a baterias, o mercado global vai manter significativa frota de modelos a combustão. Apostas de sete instituições, entre as quais Morgan Stanley, JP Morgan e Bloomberg preveem que a participação dos elétricos na frota global daqui a dez anos será de 24% a 37%.
“Nós vamos vivenciar uma frota diversificada em termos de matriz energética”, afirma Bacellar. Segundo ele, o motor a combustão vai permanecer por várias décadas e conviverá com outros tipos de veículos eletrificados, como híbridos e a célula de combustível. “Os quatro elementos vão conviver em harmonia, dividindo fatias mais ou menos iguais no bolo quando a gente projeta 2040”, diz.
Para o consultor, o processo de transformação de cenário de matriz energética não é tão simples. Será preciso levar em consideração a visão regional e o modelo de aplicação do produto, e evitar pressões para que todos os países se apressem em ter carros elétricos, sob o risco de ficarem de fora do mercado global.
“Quando se fala que o futuro dos carros é elétrico é preciso deixar claro que teremos uma nova classe de produtos – os veículos a bateria – mas ela será responsável por uma fatia da pizza e não pela pizza inteira”, diz Bacellar.
O estudo pondera se haverá espaço para todas as marcas. Pegando os EUA como exemplo, se os elétricos representarem 30% das vendas, serão 5 milhões de veículos num mercado atual de 17 milhões. “Será que todas as empresas vão ter retorno do investimento nesse cenário?”, questiona o consultor.
Bacellar também ressalta que o motor a combustão foi onipresente por 100 anos e será preciso ter uma fase de adaptação pois haverá várias alternativas disponíveis. Ele inclui nas opções a possibilidade, em estudo no Brasil, do uso do etanol como gerador de energia elétrica nas células de combustível, assim como nos veículos híbridos.
Impacto nas autopeças
As várias opções vão gerar impacto na cadeia de fornecedores, que terá de se preocupar com peças para diferentes tipos de motorização. Para Dan Iochpe, presidente do Sindipeças, haverá empresas que continuarão produzindo componentes só para veículos a combustão, outras que vão transitar entre as diferentes opções de motorização e aquelas vocacionadas aos componentes para carros elétricos, principalmente fabricantes que são desse ramo de atividade com oferta de motores para outros segmentos e passam a ser consideradas também autopartistas.
Iochpe não tem dados de investimentos das autopeças voltados a produtos eletrificados, mas afirma que “quando a montadora desenvolve uma plataforma nova de produtos, as autopeças integram esses projetos”.
Revisão de estratégia
Na opinião do presidente da ZF América do Sul, Carlos Delich, é necessário avaliar volumes e preparar as operações para atenderem as novas demandas, de acordo com as características de cada localidade. “Será uma situação de alta complexidade e de revisão de estratégia de investimentos.” A ZF, diz ele, tem um dos maiores portfólios da indústria e muitas das suas tecnologias são aplicadas tanto em veículos à combustão como em elétricos e híbridos.
“Temos desenvolvimentos específicos e uma equipe de engenharia dedicada apenas para os novos lançamentos de montadoras, e que acompanham mais rapidamente essas tendências. Ao mesmo tempo, contamos com equipes voltadas apenas ao atendimento de produtos e serviços para a frota circulante (mercado de reposição)”, informa Delich.
O presidente da Volkswagen América do Sul, Pablo Di Si, confirma seis lançamentos de modelos elétricos e híbridos plug-in para a região até 2023, todos importados. No mundo serão 70 novos modelos e o grupo alemão é o que tem maior volume de investimentos anunciado até agora, de US$ 42 bilhões em veículos elétricos e US$ 13 bilhões em versões híbridas de modelos já existentes.
Di Si lembra que a filial brasileira, junto com Porsche e Audi (marcas que pertencem ao grupo), têm parceria com a empresa de energia EDP para instalar 30 carregadores ultrarrápidos do Espírito Santo a Santa Catarina até o fim de 2022. O presidente mundial do grupo VW, Herbert Diess, já mencionou que, no Brasil, a transição para a eletrificação vai demorar mais porque aqui há biocombustível e etanol.
“Ao olharmos a matriz energética do País, principalmente para automóveis, somos um dos países mais eficientes ecologicamente porque temos o etanol”, afirma Di Si. Segundo ele, a VW discute com governos, entidades, usinas e universidades o desenvolvimento de uma tecnologia baseada no etanol, com grande potencial de exportação para outros países.
*Por: Cleide Silva / ESTADÃO