ARGÉLIA - No segundo dia de uma visita à Argélia, ex-colônia francesa no Magreb africano, o presidente francês, Emmanuel Macron, convidou os dois países a olharem para o passado “com coragem” e incitou os jovens argelinos a recusarem o sentimento “anti-França”, espalhado por “redes estrangeiras". Os passos rumo a uma autêntica reconciliação entre França e Argélia são lentos, nota um especialista ouvido pela RFI.
Macron chegou nesta quinta-feira (25) à Argélia, um fornecedor de gás cada vez mais importante para a Europa, a fim de "relançar" uma relação marcada pelo ressentimento do período colonial e da guerra pela independência. O presidente francês declarou nesta sexta-feira (26) que a busca pela "verdade" e pelo "reconhecimento" é mais importante do que pelo "arrependimento" sobre o “passado doloroso” que une os dois países e envenena, até hoje, a relação entre Paris e Argel.
"Muitas vezes ouço que, sobre a questão da memória e a questão franco-argelina, somos constantemente convocados a escolher entre o orgulho e o arrependimento", declarou o presidente francês durante uma coletiva de imprensa na capital argelina. "Quero a verdade, o reconhecimento, senão nunca avançaremos", insistiu, salientando que essa busca poderá ser mais fácil para a nova geração que, como ele, "não é filho da guerra da Argélia". "Devemos enfrentar esta história com coragem, com lucidez, com verdade", acrescentou.
Na véspera, após uma primeira reunião com o presidente argelino, Abelmadjid Tebboune, foi anunciada a criação de uma comissão franco-argelina de historiadores para olhar para os "primórdios da colonização com a sua dureza, com a brutalidade destes acontecimentos", mas também sobre os "desaparecidos", observou Macron.
"Não é arrependimento, de forma alguma", sublinhou o chefe de Estado, respondendo antecipadamente às críticas dos saudosos da Argélia francesa, e excluindo, mais uma vez, a apresentação de um pedido de desculpas, há muito esperado por Argel.
Página dolorosa
Há anos a Argélia pede um trabalho de memória sobre os 132 anos de colonização francesa, e não apenas dos últimos sete anos da guerra de independência (1954-1962).
Esta comissão será composta por cinco ou seis historiadores de cada lado, com "talvez um trabalho inicial dentro de um ano, que depois marcaremos com gestos comuns", esboçou Emmanuel Macron. "Vamos abrir todos os arquivos para eles (...) O presidente argelino me disse: também estou abrindo o meu", observou.
Em entrevista à RFI, Hasni Abidi, diretor do Centro de Estudos e Pesquisas sobre o Mundo Árabe e Mediterrâneo (Cermam) e professor na Universidade de Genebra, avaliou que, na comparação com seus antecessores no cargo, "Macron escolheu uma abordagem mais voluntarista que parece agradar uma parte dos argelinos”. “Mas ela é gradual”, ressalta.
“É uma página muito dolorosa, que é muito difícil de virar. Há, de um lado, demandas argelinas, e, de outro, uma capacidade limitada da França de respondê-las”, afirma o especialista, lembrando que desde sua primeira campanha presidencial, o chefe de Estado francês mencionou que os crimes cometidos pelos franceses na Argélia constituíram crimes contra a humanidade.
Uma dessas demandas era justamente a abertura de um trabalho mútuo de pesquisa sobre o passado, ressaltou o coautor de 60 Ans après les Accords d’Evian, regards croisés sur une mémoire plurielle (60 Anos depois dos Acordos de Evian, olhares cruzados sobre uma memória plural, em tradução livre).
Juventude e o sentimento anti-França
Macron também tem como foco nesta viagem o encontro com a juventude argelina. Ele pediu para que os jovens do país e da África como um todo "não se deixem levar" pela "enorme manipulação" de “redes", controladas remotamente por potências estrangeiras, que apresentam a França como "inimiga" de seus países.
"Só quero dizer à juventude africana: explique-me o problema e não se deixe levar, porque seu futuro não é anti-França", declarou Macron, questionado pela imprensa sobre "o desencanto com a França" em certos países do continente.
"Sim, a França é criticada. Criticada pelo passado, (...) porque deixamos os mal-entendidos se instalarem por muito tempo, e também porque há uma imensa manipulação", explicou.
"Vamos ser claros: muitos dos ativistas do Islã político têm um inimigo, a França. Muitas das redes que são empurradas secretamente pela Turquia, pela Rússia, pela China, têm um inimigo: a França", continuou ele, denunciando a "influência, a agenda neocolonial e imperialista" desses países.
"Pode ter sido o combate de seus avós, de seus pais, (…) mas vamos seguir em frente", acrescentou, reconhecendo que leva "tempo para reconstruir a confiança". "Mas faço isso com paciência, empenho e carinho pelo continente africano e pela Argélia”, assegurou o líder francês.
"Mortos pela França"
Esta é a segunda vez que Macron visita a Argélia como presidente, após uma primeira visita em dezembro de 2017. Ao visitar o cemitério europeu Saint-Eugène, o principal de Argel durante a colonização francesa, ele colocou uma coroa de flores ao pé do monumento aos "mortos pela França”.
O presidente francês caminhou por um longo tempo nos setores cristãos e militares e se deteve particularmente na praça judaica onde repousa o ator e diretor Roger Hanin.
Com informações da AFP