Estudo analisou o cuidado entre mães e avós; suporte afetivo é mais presente do que apoio às tarefas práticas, do dia a dia
SÃO CARLOS/SP - Um projeto de pesquisa desenvolvido na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) analisou o cuidado entre gerações em famílias que têm, em seu convívio, crianças com deficiências. A análise foi realizada entre 2018 e 2020 e buscou descrever e caracterizar a solidariedade intergeracional familiar (SIF) estabelecida entre mães e avós de crianças com deficiências e alto grau de dependência. O principal resultado foi o forte apoio emocional mútuo entre avós e mães da criança.
O estudo, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), é fruto de uma parceria interinstitucional estabelecida há 10 anos entre pesquisadores das áreas de Terapia Ocupacional e de Ciência da Informação da UFSCar, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade do Porto (UP), em Portugal, com foco em pesquisas voltadas ao campo da família.
Claudia Maria Simões Martinez, docente do Departamento de Terapia Ocupacional (DTO) da UFSCar e coordenadora do estudo, explica que a teoria da SIF foi criada a partir de duas áreas do conhecimento: a Psicologia Social e a Sociologia da Família.
A solidariedade intergeracional familiar, com base nos achados de pesquisadores do campo, é definida como a interdependência entre os sujeitos que compõem uma família, considerando as trocas existentes entre eles no cotidiano. Envolve características como afetos e sentimentos existentes e compartilhados; frequência de contato; consenso ou dissenso nas crenças e valores; fatores estruturais existentes que influenciam a interação (como a distância entre domicílios); troca de recursos e de apoio em tomadas de decisão; normas internas familiares, que definem as funções e obrigações de cada um; e divergências e tensões presentes nas interações familiares.
"Uma das contribuições desta teoria reside em possibilitar entender como ocorrem as relações familiares e como as pessoas se apoiam e cooperam entre diferentes gerações, para que haja benefícios mútuos", esclarece a docente da UFSCar.
Segundo a pesquisadora, a SIF é um elemento importante para o empoderamento das famílias no enfrentamento de fatores estressores (como as demandas cotidianas na criação e educação de crianças com deficiências), podendo funcionar como mecanismo de proteção e fortalecendo a resiliência dos membros da família.
Para o estudo, os pesquisadores aplicaram instrumentos - escalas de avaliação, em forma de questionário - junto a 38 díades mães-avós, para analisar as trocas de apoio entre gerações em três dimensões específicas, que constituem parte das características da SIF: funcional (em atividades práticas, do dia a dia, como ajudar na alimentação, a ir ao banheiro, locomoção), afetiva (no suporte emocional) e conflitual (que envolve divergências e tensões que podem estar presentes nas interações familiares).
Os resultados mostraram que há reciprocidade nas relações intergeracionais no geral, mas em especial na dimensão afetiva, com foco maior no apoio emocional. "Ao contrário do que constava em nossa hipótese, o estudo demonstrou mais apoio emocional do que funcional. Esse apoio emocional esteve presente tanto nas respostas das mães, como nas das avós, de forma mútua, e as avós mostraram altos índices de maturidade na oferta de apoio", destaca.
Políticas públicas
Martinez destaca a importância do amparo e do empoderamento no enfrentamento dos fatores estressores presentes em família que tenha criança com deficiência. "Nem toda família tem uma avó que pode contribuir. O que vimos, em determinadas situações, são casos em que a mãe, mesmo tendo a demanda do(a) filho(a) com deficiência, precisa, somado a isto, ajudar a sua própria mãe", exemplifica Martinez.
Assim, estudos nessa direção são importantes para subsidiar políticas públicas ligadas ao desenvolvimento humano, especialmente para populações com maior vulnerabilidade social. "Nosso intuito é gerar mais informações que possam ser consideradas importantes nas tomadas de decisões que atendam as crianças com deficiência e suas famílias", sintetiza.
Ela defende políticas integradas de atenção ao idoso, à mulher e à criança com deficiência. "O apoio governamental é essencial. Esperamos que os dados de pesquisa possam ser considerados nos processos de intervenção, em geral realizados por equipes multidisciplinares, em uma perspectiva de colaborar para a coesão e bem-estar destas famílias no cuidado à criança com deficiência", reforça.
Com o intuito de auxiliar as famílias com crianças com deficiência, especialmente mães e avós, no contexto da pandemia, o grupo lançou dois livretos, que estão disponíveis gratuitamente para consulta em https://bit.ly/sifufscar e https://bit.ly/sifufscar2.
Parte dos resultados da pesquisa foi reportada em artigos científicos - um deles publicado em Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional (https://bit.ly/sifartigo), e o segundo na Revista Brasileira de Educação Especial (https://bit.ly/sifartigo2).