BRASÍLIA/DF - Um conjunto de entidades dos setores produtivos, da sociedade civil organizada, além de empresas de todos os nichos e portes, e especialistas de diferentes áreas lançaram, nesta quinta-feira (28), em Brasília, uma Carta Aberta por uma Reforma Administrativa do Estado brasileiro. O documento (leia na íntegra aqui) foi apresentado durante um dos painéis da Conferência Nacional de Liberdade Econômica, organizada pelo Instituto de Livre Mercado (ILM) e pela Frente Parlamentar do Livre Mercado (FPLM), na Câmara dos Deputados, diante de parlamentares, secretários estaduais e municipais, e autoridades do Executivo federal. Foi a primeira reunião sobre liberdade econômica organizada na Câmara.
Agora, a Carta fará parte de toda a mobilização que essas entidades — entre elas a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) — farão, tanto na capital federal, em projetos de lei em tramitação ou em propostas já em fase de elaboração para discussão pública, quanto em outras instâncias de governo pelo País afora.
“Essa reforma deveria ter sido feita antes da Tributária”, afirmou Gisela Lucas, vice-presidente da FecomercioSP, durante a mesa Reformando o Brasil: a Reforma Administrativa como Caminho para a Prosperidade, dividida com Hélio Beltrão, presidente do Instituto Mises Brasil, Erivelton Mastellaro, diretor da Federação e que encabeça o Sindicato de Bijuterias do Estado de São Paulo (Sindijoias), Walter Shindi, vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo, além de parlamentares como Domingos Sávio (PL-MG) e Adriana Ventura (Novo-SP).
“Era preciso reestruturar o Estado antes de discutir as formas de financiá-lo. Não é à toa que o governo está sendo pressionado para controlar seus gastos. A conta não está fechando”, continuou Gisela, que também preside o Conselho de Comércio Varejista (CCV) da FecomercioSP.
Vale lembrar que o evento aconteceu horas depois do anúncio de um pacote de corte de gastos que o governo federal prometia há meses — e que, de bate e pronto, gerou tensão negativa nos mercados, com o câmbio chegando à máxima histórica, cerca de R$ 6, no mesmo dia. A medida também atravessa a Reforma.
“O problema é que, desde a Constituição de 1988, os governos só foram criando mais despesas obrigatórias”, afirmou o deputado Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PL-SP), que lidera a FPLM e encabeçou o evento, reagindo ao anúncio feito horas antes. “E para quê? Para financiar um Estado que não para de crescer, que não deixa a nossa economia dinamizar-se, produzir riqueza, fazer o País se desenvolver e ela mesma financiar essa máquina. O Brasil está perdendo uma oportunidade”, completou.
Melhora da qualidade do gasto público
O economista Antonio Lanzana, que preside o Conselho Superior de Economia, Sociologia e Política (CSESP) da FecomercioSP, mostrou como o Brasil reduziu seu ritmo de crescimento dos anos 1980 para cá — 2,1% de alta média do PIB — em relação ao restante do mundo — 3,5% do PIB. Se o País tivesse acompanhado esse passo, teria uma produção bruta 77% superior à atual. “Sabem por que isso aconteceu? Porque a carga tributária, que era de cerca de 25% do PIB, agora é de 34%, e isso sem que o investimento subisse da mesma forma”, afirmou, indicando como esse fenômeno aumentou o tamanho do Estado.
“O problema é que esse crescimento da participação de um setor ineficiente na economia, o público, em detrimento de um mais eficiente, o privado, limita a nossa produtividade. E qualquer país que quer se desenvolver tem de aumentar sua produtividade”, destacou o economista, indicando que a média da produção por hora trabalhada cresceu apenas 0,6% ao ano, em média, de 1980 para cá — nos últimos dez anos, essa taxa foi de 0,3%. “É muito baixo!”, enfatizou.
Na avaliação de Lanzana, não se trata só de elevar a eficiência da iniciativa privada, mas, antes de tudo, de melhorar a qualidade do gasto público com a sua própria máquina. “Isso teria vários efeitos, como mais justiça social — já que há distinções muito grandes entre os salários de servidores, por exemplo, enquanto serviços públicos permanecem muito ruins, sobretudo para as classes mais baixas”, detalhou. Mais do que isso, ele reforçou que a proposta da FecomercioSP não envolve retirada de recursos públicos de setores fundamentais, mas justamente trata de mudar essa lógica. “É trocar os gastos correntes do governo por investimentos públicos”, explicou.
Na visão do deputado Domingos Sávio (PL-MG), também presente na Conferência, maior eficiência nos gastos públicos não significará prejudicar os servidores, mas justamente premiar os melhores, sem perder essa meta de vista. “Quando você paga melhor o bom funcionário, quando você oferece um jeito de subir na carreira, isso também é um jeito eficiente de usar o dinheiro”, argumentou.
A parlamentar Adriana Ventura (Novo-SP) fez um chamado para que esse debate não envolva apenas entidades, mas, sobretudo, os cidadãos “pagadores de impostos”. “São eles os mais afetados pela situação atual e, da mesma forma, os que seriam mais beneficiados por uma reforma dessa ordem”, pontuou.
A expectativa é de que, em 2025, a Câmara dos Deputados inaugure um Grupo de Trabalho (GT) para discutir os próximos passos desse pleito, reunindo os planos apresentados e aqueles já em curso, como o Projeto de Lei Complementar (PLP) 51/2019, de Orleáns e Bragança, por exemplo, que propõe mudanças no modelo de avaliação do desempenho de servidores públicos do País.
Serviços públicos e burocracia
A Carta Aberta lançada na Conferência aponta para dois objetivos fundamentais: promover justiça social e diminuir a burocracia.
No primeiro caso, o diagnóstico é que, como as classes mais baixas são as que mais dependem de serviços públicos, elas enfrentam obstáculos sociais mais graves, já que essas estruturas são obsoletas, lentas e de má qualidade. Isso fica ainda pior ao se considerar que são essas pessoas que pagam o grosso dos impostos que sustentam o País. É por isso que, no limite, o Estado é, hoje, o grande alimentador da desigualdade.
“Quem pode pagar por serviços privados leva uma vida muito melhor”, apontou. “Quem não pode ficar à mercê dessa rede estatal que é muito ruim, especialmente na saúde, na educação e nos transportes. O Estado deveria enfrentar essa situação, não favorecê-la”, prosseguiu.
Lanzana, do CSESP, também reforçou esse diagnóstico, lembrando do caso da Coreia do Sul. “É um exemplo de país que aumentou seus investimentos em educação pública e teve efeitos muito positivos no longo prazo. No Brasil, os serviços são tão ruins que quem mais depende deles está muito atrás, como a gente vê nos nossos indicadores do Pisa [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes], por exemplo”, assegurou.
Já no segundo caso, a burocracia excessiva limita a experiência, tanto de cidadãos, que precisam do Estado para uma série de exigências coletivas, quanto de empresas, que dependem desses serviços para inovar, criar empregos, investir e ampliar seus negócios. Hoje, observou Mastellaro, empreendedores têm dificuldades para conseguir documentos básicos, como alvarás de funcionamento ou licenciamentos — no caso ambiental, a média chega a quase dois anos —, enquanto agonizam frente a custos altos para abrir novas vagas ou estender os negócios para outros ramos. “Com menos burocracia, um funcionalismo otimizado e gastos racionalizados, o Estado contribuiria para atrair investimentos ao ambiente de negócios”, analisou.
A estrutura da administração estatal não só é burocrática, como também ineficiente — e isso acontece, para as entidades mobilizadas na Carta Aberta, justamente porque ela não funciona com base em um modelo meritocrático, de valorização do rendimento dos servidores. É por isso que um dos pressupostos das sugestões apresentadas é a implementação de modelos de mensuração e de critérios de desempenho dos funcionários públicos, o que faria não apenas com que os serviços fossem dinamizados como diminuiria os gastos com eles.
PROPOSTAS PARA REFORMA ADMINISTRATIVA DO ESTADO
- Avanços na regulamentação do estágio probatório, com definição clara de uma avaliação criteriosa e pré-definida.
- Garantia de estabilidade apenas em carreiras públicas efetivamente ameaçadas de perseguição política.
- Definição de mudanças nas regras das carreiras públicas apenas para novos entrantes.
- Readaptação dos planos de carreiras públicas, com redução dos salários iniciais e programas mais lentos de progressão.
- Introdução de sistemas de avaliação, com indicadores pré-definidos, públicos e diagonais às instâncias de governo.
- Unificação de critérios de carreiras em padrões comuns a todas as instâncias.
- Mudança na regra de aumento de salários do presidente e dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para torná-la independente das remunerações de cargos de confiança ao redor deles.
- Permissão de reduções temporárias de salários em situações extremas, como epidemias ou fortes restrições fiscais.
- Em consonância com o PL 2.721/2021, proibição de supersalários, estimando o teto das remunerações a partir do quanto ganha o presidente da República.
- Definição de ações para avançar em reformas administrativas estaduais e municipais, sem intervenção do governo federal.
- Proibição de privilégios remuneratórios e benefícios excedentes em cargos públicos.
- Modernização dos concursos públicos, conforme já foi sancionado pelo Executivo em setembro de 2024 (Lei 2.258/2024) [PROPOSTA ATENDIDA]
- Definição de promoções para novos entrantes ao limite de 5% do total de pessoas em cada carreira a cada ciclo de avaliação.
- Revisão de cargos públicos obsoletos, pendente de estudo e, posteriormente, de eliminação de carreiras desnecessárias às demandas atuais.
- Regulamentação de demissão por baixo desempenho.