ALEMANHA - A Alemanha acusou Vladimir Putin, no domingo (3), de tentar "desestabilizá-la" por meio de uma guerra de informações, espionando as trocas militares confidenciais sobre a Ucrânia, em um momento em que o chanceler alemão Olaf Scholz se encontra sob pressão para entregar mísseis a Kiev. Para os aliados europeus do bloco, os vazamentos de conversas do alto escalão do exército destacam a necessidade de mais defesas antiaéreas para a Ucrânia.
A transmissão nas redes sociais da Rússia, na sexta-feira, de uma gravação de áudio de uma recente videoconferência entre oficiais alemães de alto escalão sobre o assunto de fornecimento de armas à Ucrânia causou uma crise entre os dois países e um choque em Berlim.
"O chefe de Estado russo está tentando nos desestabilizar, fazer com que nos sintamos inseguros", disse o ministro da Defesa alemão, Boris Pistorius.
Isso "faz parte de uma guerra de informações que Putin está travando", acrescentou ele, "o objetivo é claramente minar nossa unidade nacional (...), semear divisão política internamente e espero sinceramente que Putin não tenha sucesso".
Na escuta ilegal, os oficiais alemães falaram especialmente sobre a possibilidade de mísseis de longo alcance Taurus fabricados na Alemanha serem entregues a Kiev, o que seria necessário para que as forças ucranianas pudessem usá-los e seu possível impacto.
No sábado, Berlim confirmou que a gravação era autêntica e que havia sido "interceptada". Em Moscou, o número dois do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitri Medvedev, acusou a Alemanha no Telegram, no domingo, de "preparar uma guerra contra a Rússia".
Tentativa de intimidação do chanceler alemão
O conteúdo da conversa é embaraçoso para a Alemanha por vários motivos. Em primeiro lugar, Berlim até agora se recusou oficialmente a entregar mísseis Taurus a Kiev, argumentando que havia um risco de escalada da guerra porque, na opinião do chanceler Olaf Scholz, isso envolveria soldados alemães ajudando a manusear as armas.
No entanto, os oficiais alemães espionados acreditam, em suas conversas, que isso não exigiria necessariamente o envolvimento de soldados da Bundeswehr, como é conhecido o exército alemão. Essa é uma forma de rejeitar o argumento do chanceler, o que o coloca em uma posição desconfortável.
Igualmente embaraçoso para Berlim é o fato de que, durante a conversa vazada, os oficiais revelam detalhes de como o Reino Unido e a França estão ajudando o exército ucraniano a usar os mísseis Scalp de longo alcance, que os dois países estão fornecendo a Kiev. O chanceler alemão Olaf Scholz já causou irritação em Londres recentemente ao afirmar que a Grã-Bretanha e a França deveriam dar apoio aos ucranianos no direcionamento de ataques com mísseis Scalp.
Na opinião de Marie-Agnes Strack-Zimmermann, especialista em defesa do partido liberal FDP, que é membro do governo de coalizão alemão, a intenção de Moscou "é óbvia": "intimidar" Olaf Scholz para que ele não volte atrás em sua recusa em entregar os mísseis Taurus. Ela e seu partido vêm tentando, há meses, pressionar o chanceler a concordar em fornecê-los a Kiev, em um momento em que as forças ucranianas estão na defensiva contra as tropas russas e carentes de munição.
Esse caso também colocou o exército alemão sob fogo cruzado, acusando-o de amadorismo e descuido em suas medidas de segurança.
Mísseis Taurus com alcance de 500 km deixariam Rússia vulenrável
O vazamento também está repercutindo entre os aliados europeus da Alemanha e destacaria, segundo os mesmos, a necessidade premente da Ucrânia de defesas antiaéreas, já que os generais alemães levantaram a questão da entrega de mísseis Taurus de longo alcance. O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky pediu mais uma vez aos seus aliados o fornecimento de armas na tarde de sábado (2), após os ataques a Odessa.
Os mísseis Taurus, mencionados pelos quatro generais alemães, representam um verdadeiro ponto de discórdia entre Berlim e Kiev e as outras capitais europeias, porque eles mudariam o acordo em termos de envolvimento dos aliados ao lado da Ucrânia: seu alcance é de 500 km, o que colocaria Moscou ao alcance da Ucrânia.
Mas ao publicar essas supostas escutas, o Kremlin está colocando uma pedra no sapato da coalizão federal alemã para possíveis entregas desses mísseis Taurus, segundo relata o correspondente da RFI em Bruxelas, Pierre Benazet.
Por outro lado, muitos aliados já estão fornecendo sistemas antiaéreos, incluindo a Alemanha com seus mísseis Iris-T, mas eles têm um alcance de apenas 40 km. E a questão do Taurus não vai mudar o cronograma de entrega, pois já existem fluxos abertos para a Ucrânia para recebimento de mísseis Scalps franco-britânicos, baterias de mísseis Nasams noruegueses e mísseis antiaéreos Patriot, fabricados nos Estados Unidos.
Um total de 1.000 desses mísseis foi comprado em janeiro por uma coalizão de oito países da Otan, incluindo Holanda, Espanha e Romênia, além da Alemanha. De acordo com os aliados, essa é a prova de que seu compromisso com Kiev permanecerá inalterado.
Uma conversa interceptada durante uma videoconferência?
Ainda não se sabe como a Rússia conseguiu interceptar essa conversa entre militares, mas algumas informações estão começando a ser divulgadas, o que é bastante embaraçoso para as autoridades de Berlim. De acordo com algumas fontes, um participante russo conseguiu se conectar à videoconferência e, obviamente, "ninguém percebeu", explicou Roderich Kiesewetter, um parlamentar conservador da oposição no canal de televisão da Ard.
Esse ex-general não entende como uma troca de informações sobre um assunto tão delicado pode ter ocorrido por meio do Webex, um aplicativo destiando apenas a consumidores civis. Mas a oposição não é a única a levantar sua voz. Para o deputado verde Konstantin von Notz, membro da coalizão governista, esse caso de espionagem ilustra o desejo de Moscou de desestabilizar os aliados de Kiev.
Com RFI e AFP