PARIS - Em meio a críticas nacionais e internacionais, o presidente francês, Emmanuel Macron, recebeu na quinta-feira (28) o príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, também conhecido como (MBS) para um jantar de trabalho em Paris.
Bin Salman, governante de fato da Arábia Saudita, está em sua primeira viagem oficial à Europa desde o assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi, em 2018, na embaixada do país em Istambul. Bin Salman é acusado pelos serviços secretos americanos de ter aprovado a operação que matou o jornalista.
O encontro com Macron é o mais recente sinal da reaproximação do Ocidente com o governante saudita, após quase quatro anos de isolamento internacional. Antes de viajar a Paris, bin Salman esteve na Grécia, onde se reuniu com autoridades.
A visita à Europa ocorre em um momento em que o Ocidente corteja o principal produtor de petróleo do mundo em meio à guerra na Ucrânia e às negociações nucleares vacilantes com o Irã.
A primeira-ministra francesa, Elisabeth Borne, disse que Macron questionaria o príncipe sobre questões de direitos humanos, mas também buscaria garantir o fornecimento de energia de outros lugares que não a Rússia.
"Obviamente, não se trata de deixar de lado nossos princípios. Não se trata de questionar nosso compromisso em favor dos direitos humanos. O presidente certamente terá a oportunidade de conversar sobre isso com Mohammed bin Salman", afirmou Borne.
"Em um contexto em que sabemos que a Rússia está cortando e ameaçando cortar ainda mais o fornecimento de gás, e onde temos tensões sobre os preços da energia, acho que os franceses não entenderiam se não falássemos com os países que são precisamente produtores de energia'', justificou ela.
Macron amplamento criticado
A noiva de Khashoggi, Hatice Cengiz, expressou indignação com a decisão de Macron.
"Estou escandalizada e indignada que Emmanuel Macron esteja recebendo, com todas as honras, o carrasco de meu noivo, Jamal Khashoggi", disse Hatice Cengiz.
"O aumento nos preços da energia por causa da guerra na Ucrânia não pode justificar isso. Em nome da suposta realpolitik, nós absolvemos a pessoa responsável pela política saudita em relação aos oponentes políticos", disse ela.
O grupo Democracy for the Arab World Now (DAWN), com sede em Washington, entrou com uma ação na França contra o líder saudita.
"Como parte das convenções da ONU contra tortura e desaparecimentos forçados, a França é obrigada a investigar um suspeito como Bin Salman se ele estiver em território francês", disse Sarah Leah Whitson, diretora executiva do DAWN.
Outra ONG, a TRIAL International, com sede na Suíça, apresentou uma queixa nesta quinta-feira.
Políticos franceses também manifestaram sua desaprovação com o encontro. "O corpo desmembrado do jornalista Khashoggi está no cardápio do jantar entre Macron e MBS?", escreveu no Twitter o político ambientalista francês Yannick Jadot, que disputou o primeiro turno das eleições presidenciais no início deste ano.
A viagem do príncipe herdeiro à Europa ocorre semanas após uma visita do presidente dos EUA, Joe Biden, à Arábia Saudita.
"A reabilitação do príncipe assassino será justificada na França como nos Estados Unidos por argumentos de realpolitik. Mas, na verdade, é a barganha que predomina, convenhamos", escreveu a secretária-geral da Anistia Internacional, Agnes Callamard, no Twitter.
Ao se encontrarem em Jeddah, Biden e bin Salman cumprimentaram-se de forma fria, apenas com um "choque de punhos".
Embora o governo americano afirme que o cumprimento, que remete a certo distanciamento, ocorreu por precauções contra a covid-19, jornalistas especulam que Biden teria evitado apertar a mão de Salman por seu histórico de desrespeito à imprensa e aos direitos humanos. Desta forma, uma foto dos dois se cumprimentando calorosamente não cairia bem ao americano.
Jornalista crítico ao reino saudita
Khashoggi era residente nos Estados Unidos, onde trabalhava como colaborador do jornal americano The Washington Post. Em 2 de outubro de 2018, ele compareceu ao consulado saudita em Istambul para preencher documentos a fim de se casar com sua noiva turca.
Segundo autoridades americanas e turcas, um esquadrão saudita que o aguardava no local o estrangulou e desmembrou seu corpo, que nunca foi recuperado. O jornalista era um crítico da concentração autoritária de poder por Mohammed bin Salman e escreveu vários artigos que denunciavam o príncipe.
Em fevereiro deste ano, o governo americano divulgou um relatório de inteligência sugerindo que Bin Salman, que exerce a função de chefe de governo no reino saudita, estaria por trás da morte do jornalista.
O documento, tornado público pelo governo do presidente Joe Biden, afirma ser altamente improvável que o assassinato de 2018 tenha ocorrido sem o aval do príncipe.
A ação se encaixaria em um padrão adotado por Bin Salman de "apoiar medidas violentas contra dissidentes no exterior", diz o texto. O príncipe saudita, contudo, nunca foi alvo de sanções americanas.
(AFP, AP, dpa, Reuters)