Depois de 64 anos desaparecida, espécie é vista viva pela segunda vez em três anos; encontro é resultado de projetos de educação ambiental
SÃO PAULO/SP - “Quando eu finalmente encontrei a serpente falei: não acredito, é uma Corallus cropanii mesmo! Uma jiboia do ribeira. A felicidade já bateu e pensei comigo: cara, como que pode? Pela segunda vez ser contemplado com um bicho tão raro”.
A fala do controlador de acesso Paulo Vinícius Teixeira marca mais um momento histórico não só para a população do Assentamento Alves Teixeira Pereira, mas também para a comunidade científica: a captura de uma jiboia do ribeira (Corallus cropanii) viva para pesquisa e monitoramento.
No dia 25 de outubro, Teixeira, acompanhado do amigo Willian Daniel Martins e do primo, foi avisado por guardas do Parque Estadual Intervales que havia uma cobra com tons amarelados próxima a propriedade onde vive, no bairro Guapiruvu, região do Vale do Ribeira, em Sete Barras (Sp).
Ao se deslocar até o local indicado e procurar o réptil, conseguiu encontrar a espécie que é considerada como a jiboia mais rara do mundo. A mesma coisa aconteceu em 2017, quando Teixeira capturou outra jiboia do ribeira depois de muitos a considerar extinta.
Na época a “Dona Crô”, como foi apelidada, passou meses sendo estudada dentro da comunidade pelos biólogos Bruno Rocha e Daniela Gennari, com a ajuda do próprio Teixeira.
“Foi um acontecimento inédito já que Corallus cropanii foi vista viva pela primeira vez em 1953, em Miracatu (SP). Desde lá ela apareceu outras vezes, mas sempre morta. Quando o Vinícius encontrou a serpente viva em 2017, depois de 64 anos, corremos para lá e estudamos o máximo que podíamos, já que pouco se sabia até então sobre ela”, explica Rocha.
O encontro foi resultado de um trabalho de educação ambiental realizado na comunidade em 2016. Como os pesquisadores tinham fortes indicações de que a serpente era endêmica da região, decidiram criar o Projeto Jiboia do ribeira para alertar a população da necessidade de proteger e não matar o animal caso ele aparecesse.
O nome Jiboia do Ribeira foi proposto pelos pesquisadores para estreitar a ligação da comunidade com a serpente. O termo “jiboia” foi escolhido para remeter a uma espécie não peçonhenta, e pelo fato de ser da família Boidae, a mesma das jiboias e jiboias-arcoíris.
O projeto se solidificou com encontros e palestras e serviu de base para outro projeto organizado por líderes do assentamento que busca também salvar as serpentes.
“Normalmente é cultura da comunidade matar as cobras que aparecem nos terrenos por uma questão de medo mesmo. Mas a gente vêm trabalhando em um projeto chamado “Mãos que Protegem”, onde conversamos com os moradores para nos avisar caso apareçam cobras para conseguirmos fazer o resgate e soltar elas em vida no parque”, explica Martins.
Assim como a Corallus cropanii, outros animais só se mantêm vivos por conta da área de Mata Atlântica preservada do Parque Estadual Intervales, que se une a Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra do Mar.
“O Mosaico de Unidade de Conservação da Serra de Paranapiacaba tem mais de 150 mil hectares e é um dos pontos mais preservados de Mata Atlântica do Brasil. Só no Intervales são 123 espécies ameaçadas de extinção e a aparição da jiboia do ribeira nos limites do parque só reafirma a necessidade da manutenção da preservação da área”, afirma o gestor do parque Thiago Borges Conforti.
9.º Jiboia-do-ribeira
O novo espécime de jiboia do ribeira, que é conhecido como 9º, por ser a nona espécime já vista no mundo inteiro até o momento, é uma fêmea de 1,35 metro de comprimento e 1,2 kg, que será mantida dentro do Parque do Intervales para pesquisas.
“Nosso objetivo é manter o animal em cativeiro para a coleta de sangue e do material genético e conseguir avaliações clínicas que nos permitam assegurar a saúde do indivíduo. Depois, vamos soltá-la com um radiotransmissor e observar ela livre na natureza, igual aconteceu com a Dona Crô de 2017”, explica a herpetóloga Daniela Gennari que fez o vídeo na primeira vez que viu a serpente.
Por ser um bicho extremamente raro também é necessário manter a serpente segura e longe do tráfico ilegal de animais silvestres. Bruno Rocha segue confiante de que o encontro trará novas e importantes informações.
“Acompanhei por cerca de 11 meses (juntando o tempo de cativeiro e monitoramento) a jiboia do ribeira de 2017 e consegui várias descobertas sobre a espécie, só que ainda se sabe muito pouco sobre a serpente. Com esse novo encontro, mais uma oportunidade para coletarmos dados para conseguirmos cada vez mais proteger e salvar esse animal da extinção”, finaliza.
Por Nicolle Januzzi G1