Para pesquisador, avanço "silencioso" de loteamentos põe em risco o principal manancial do município
SÃO CARLOS/SP - Apesar da proibição da legislação existente, São Carlos está, "silenciosamente", crescendo dentro da área do manancial da bacia hidrográfica Ribeirão do Feijão, o que pode comprometer a médio e longo prazo a qualidade e a quantidade do abastecimento hídrico do município. O alerta é do professor do Programa de Pós-graduação em Ciências Ambientais (PPGCAm) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Francisco Dupas, que desenvolve estudos sobre a preservação do Ribeirão Feijão desde 1994.
Localizada ao sul do município, a bacia do Feijão abrange também Analândia e Itirapina e compreende uma extensão aproximada de 243 km², em parte da área de recarga do Aquífero Guarani, uma unidade de grande importância hidrológica para o estado de São Paulo e o Brasil. "Na década de 1980, a bacia do Feijão e outras captações de água superficial supriam, de modo complementar, o consumo da cidade de São Carlos. Hoje, o consumo de água superficial foi reduzido e a água subterrânea já é maior parcela", compara o docente. "A estratégia dos loteadores é usar ao máximo poços de outras áreas para abastecer São Carlos e, enquanto isso, restringir o uso da estrutura do Feijão para esses novos loteamentos dentro da bacia", diz ele.
Para o professor da UFSCar, é urgente tornar público o que realmente está acontecendo no principal manancial da cidade, para que a degradação ambiental do Feijão seja coibida e recuperada por vias da revegetação. "O grande problema são os interesses financeiros dos loteadores e a falta de divulgação das pesquisas com informações sobre o tema", afirma o professor, que disponibilizou o e-mail baciadofeijãEste endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. para trocar informações com o público sobre o assunto.
De acordo com os resultados da última pesquisa da equipe coordenada por Dupas, a adoção de regras mais restritivas como a de Áreas de Proteção e Recuperação dos Mananciais do Município (Aprem), em conjunto com o Plano Diretor, tem gerado bons resultados, uma vez que a vegetação é um dos usos da bacia que mais apresentou crescimento nas Áreas de Proteção Permanentes (APPs) - de 38% para 43% em 10 anos da existência da lei. No entanto, a quebra de restrições à expansão urbana dentro da bacia do Feijão, ocorrida na revisão do Plano Diretor em 2016, deverá gerar um grande retrocesso na recuperação das áreas degradadas e aumento dos poluentes lançados nos rios da bacia, alerta o docente.
E os danos ambientais não se restringem à escassez e poluição das águas. Segundo Dupas, a implantação de um loteamento gera a construção de novas casas e, consequentemente, a impermeabilização do solo, erosão e assoreamento dos rios e córregos. "A impermeabilização por asfaltamento e demais construções provocam pouca infiltração da água de chuva, fazendo com que o escoamento superficial seja cada vez mais turbulento, o que leva a maiores enchentes", detalha o professor.
Nesse cenário, o pesquisador da UFSCar explica que a vegetação tem papel essencial para garantir a manutenção de todo tipo de vida e deve ser central nas políticas públicas de preservação ambiental. "Além da urbanização, a agropecuária, devido ao desmatamento, tem pesado muito para a manutenção da qualidade e da quantidade de água. Portanto, a recuperação das áreas degradadas por pastagens também se faz necessária", reforça Dupas, que participa do Grupo de Pesquisa em Geotecnologias, Meio Ambiente e Sustentabilidade.
Além de Dupas, os estudos contam com a participação de professores do Departamento de Ciências Ambientais (DCAm) e Engenharia Civil (DECiv) da UFSCar e da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Políticas públicas
Os estudos coordenados por Francisco Dupas indicam algumas ações de curto a longo prazo que podem ser implantadas para frear a degradação da bacia do Feijão. "O primeiro passo imediato seria tornar a população informada sobre a importância vital do manancial em relação ao suprimento de água no município e região", defende o professor.
Para ele, o segundo passo, simultâneo ao primeiro, seria a criação de um grupo junto ao Comitê de Bacias Piracicaba, Corumbataí e Jundiaí (CBH-PCJ) para a viabilização de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) pelos serviços prestados pela bacia em termos de produção de água para a cidade de São Carlos. Esse dispositivo levaria em conta questões como o quanto e qual parcela da população pagaria, conforme o tipo de uso e quantidade consumida em cada propriedade. Outra recomendação, de longo prazo, é estabelecer uma ordem de prioridade para recuperação da bacia, de acordo com a fragilidade de cada ponto. "Feito isso, iniciaríamos a recuperação das áreas degradadas de acordo com a disponibilidade de recursos financeiros arrecadados pelo PSA", afirma o pesquisador.
Mais informações
Os trabalhos coordenados por Dupas têm como objetivo diagnosticar e analisar a situação atual da bacia, principalmente nas questões que envolvem a recuperação ambiental do manancial para a melhoria da qualidade e da quantidade da água de abastecimento urbano de São Carlos. "Estudamos também as alternativas para solução do desmatamento, além das implicações do uso intensivo da bacia hidrográfica pela urbanização, agropecuária, indústrias e serviços. Tudo isso é para que não falte água no futuro, pois a superexploração subterrânea levará à falta desse recurso, haja visto o que ocorreu em cidades como Ribeirão Preto, Bauru etc.", alerta Dupas.
Mais informações sobre esses estudos podem ser obtidas pelo e-mail baciadofeijãEste endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..