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Pesquisador da UFSCar une teorias para melhor entender a biodiversidade

Escrito por  Mar 29, 2021

Estudos apontam importância da relação entre metabolismo e temperatura do ambiente na estruturação de comunidades aquáticas

 

SÃO CARLOS/SP - Ao longo dos séculos, cientistas criaram diferentes teorias para explicar a biodiversidade, ou seja, a variabilidade de organismos vivos de todas as espécies existentes ao redor do mundo. Além da explicação, essas teorias são fundamentais também para os esforços de proteção e conservação de espécies.

Duas das teorias mais importantes são as chamadas teoria nicho-neutra, que remonta ao início do século XX, e a teoria metabólica, já dos anos 2000. Agora, Victor Satoru Saito, docente do Departamento de Ciências Ambientais (DCAm) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), juntamente com dois pesquisadores baseados na Inglaterra - Daniel M. Perkins, da Universidade de Roehampton, e Pavel Kratina, da Universidade Queen Mary -, traz um novo olhar que integra essas teorias, buscando melhor entendimento da biodiversidade, especialmente em ecossistemas aquáticos.

A motivação para a pesquisa surgiu da constatação de diferenças na biodiversidade de animais aquáticos em ambientes brasileiros e europeus. "Nós fazíamos os mesmos estudos em peixes e insetos, por exemplo, e percebíamos a diferença. Foi a partir desses dados que resolvemos unir teorias e buscar explicações para essas diferenças", lembra Saito.

"A teoria do nicho é aquela determinística, que defende a sobrevivência de determinada espécie com base no ambiente em que vive. Em uma vegetação de área árida, por exemplo, existirá um tipo de espécie, que possui adaptações próprias para viver naquele ambiente. Em uma floresta pluvial, as espécies que estão sobrevivendo têm estratégias diferentes", exemplifica.

A teoria neutra, dos anos 2000, inicialmente contrastou com a do nicho, por entender que processos aleatórios não relacionados às adaptações, chamados de estocásticos, seriam mais importantes para explicar a biodiversidade. "Em uma população de elefantes, por exemplo, quando se reproduzem, há chances, aleatórias, de os filhotes nascerem machos ou fêmeas. Se todos os filhotes aleatoriamente nascem machos, a população será extinta", pontua Saito.

Com o tempo, no entanto, os pesquisadores entenderam que as duas teorias coexistem. "Elas já são vistas na literatura como uma teoria unificada, conhecida por teoria nicho-neutra, pois, em determinadas situações, as comunidades naturais claramente são estruturadas pelo nicho; em outras, por processos aleatórios. A questão é que não se sabe, exatamente, os motivos pelos quais determinada comunidade é estruturada de acordo com uma ou outra teoria", esclarece o docente.

Assim, os estudos de Saito e colaboradores são uma tentativa de compreender esses motivos. "Tentamos entender o que está por trás dessas variações, de comunidades mais estocásticas e de comunidades mais determinísticas. Para isso, unimos a teoria nicho-neutra com a teoria metabólica", adianta o pesquisador da UFSCar.

Metabolismo e biodiversidade

Saito explica que a teoria metabólica da ecologia, surgida formalmente em 2004, avançou separadamente da nicho-neutra. "A metabólica, que não dialogava com a nicho-neutra, indica que o metabolismo dos organismos determina fortemente o que se encontra na natureza", sintetiza. O pesquisador define que metabolismo diz respeito a todas as atividades biológicas que determinado organismo faz para se manter vivo. "A maneira como respiramos faz parte do nosso metabolismo, assim como a reprodução e a alimentação - são ações que mostram como estamos gastando energia, dentre muitas outras que realizamos", explica.

Dois fatores são importantes para caracterizar o metabolismo de um organismo: o seu tamanho e a temperatura do ambiente. Em relação ao tamanho, o metabolismo do ser humano, por exemplo, é diferente do de outros animais, como baleia, rato ou sapo, devido à estrutura corpórea. "Uma população de elefantes, novamente, é bem menor do que a de ratos, já que ele tem metabolismo lento e precisa de muita energia para manter o seu corpo gigante. O rato, ao contrário, tem o metabolismo acelerado e, assim, desenvolvimento rápido, podendo ter muitos filhotes", exemplifica Saito.

Mas a temperatura do ambiente também influencia diretamente no entendimento da manutenção e de comportamentos de determinada comunidade, especialmente daquelas em que os organismos não controlam a temperatura corpórea, como insetos aquáticos, peixes e anfíbios.

"Em organismos ectotérmicos, a temperatura do corpo é igual à temperatura do ambiente. Assim, a temperatura é muito importante para o metabolismo. Quanto maior ela é, mais rápido é o metabolismo, já que ele é basicamente um conjunto de reações químicas, que acontecem mais rapidamente em um ambiente quente. Um sapo, por exemplo, num ambiente frio, terá reações mais lentas em seu corpo, portanto um metabolismo mais lento. No quente, as reações acontecem rápido, fazendo com que o metabolismo seja acelerado", explica o pesquisador.

Assim, a estruturação dessas populações é diferente no ambiente quente e no ambiente frio. Com mais reações químicas acontecendo rapidamente no ambiente quente, os organismos gastam mais energia para realizar suas atividades. Isso faz com que sobre pouca energia para a reprodução. Portanto, as populações dos animais ectotérmicos nesses ambientes são menores do que em um ambiente frio, onde o gasto energético é menor e sobra mais energia para a reprodução.

"Sabemos que em um riacho da Finlândia, por exemplo, há cinco vezes mais insetos aquáticos do que em um riacho da Mata Atlântica, em São Paulo. Se no frio eles 'economizam' energia, então sobra mais energia para reprodução", conta Saito. "Outra diferença é que temos espécies anuais de insetos na Finlândia. Então, cada população tem o ciclo de um ano inteiro para virar adulto, para botar ovo de novo. Já no Brasil, temos três ou quatro gerações de insetos em um ano só, já que viram adultos e morrem mais rapidamente, e assim, as populações acabam ficando pequenas", complementa.

Em resumo: se o animal é maior, reproduz menos; se o animal é maior e vive em ambiente quente, menos ainda. Com isso, a população se torna pequena. E é nesse raciocínio que vem a proposta que mescla a teoria metabólica com a nicho-neutra: em ambiente quente, o metabolismo se comporta de tal forma que há menos energia para reprodução (teoria metabólica) e, portanto, as populações tendem a ser pequenas. Consequentemente, elas são mais propícias a serem dependentes de processos aleatórios (teoria nicho-neutra). "Se a população já é pequena, e se, com a reprodução, os que nascem são machos, ela tem bem mais chance de entrar em extinção; já em populações grandes, a chance de nascerem machos e fêmeas é muito maior, portanto os processos aleatórios não influenciam tanto quanto em populações menores", explica Saito.

Próximos passos

O trabalho dos pesquisadores foca na ecologia animal de insetos aquáticos e peixes, mas, segundo Saito, os estudos são promissores para outros tipos de animais e até plantas, tendo em vista que o metabolismo existe em todos os grupos. A partir dos estudos teóricos, os próximos passos consistem na coleta aplicada de dados para verificarem se, de fato, teoria e prática funcionam juntas.

O pesquisador da UFSCar destaca como os estudos teóricos são essenciais para o monitoramento da biodiversidade no mundo. "Quando pensamos em perda da biodiversidade, há uma visão muito voltada à teoria do nicho, com a ideia de que a preservação do ambiente é, necessariamente, a preservação de uma espécie. Mas nosso trabalho mostra que a questão é bem mais complexa e que existem outros fatores para monitorarmos essa biodiversidade de forma mais apurada".

"No ambiente frio, em que as espécies são mais estruturadas por processos de nicho, é mais claro que conseguiremos proteger a população de uma espécie se protegermos o seu ambiente. Já no quente, a proteção do ambiente talvez não seja a única forma de preservar as espécies ali presentes. Encontramos, portanto, um grande desafio para o monitoramento da diversidade em ambientes quentes como no Brasil, e enxergar que existem essas variáveis permite a reflexão sobre estratégias que considerem essa realidade. É preciso considerar que os processos aleatórios são fortes em ambientes quentes, e com isso entender melhor, inclusive, os motivos pelos quais algumas estratégias de conservação e proteção falham", reflete Saito.

As conclusões dos autores foram publicadas na revista Trends in Ecology & Evolution, em artigo intitulado "A metabolic perspective of stochastic community assembly". O texto pode ser acessado em https://bit.ly/2P925gt.

Redação

 Jornalista/Radialista

Website.: https://www.radiosanca.com.br/equipe/ivan-lucas
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