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ITÁLIA - O magnata da mídia e político Silvio Berlusconi, morto nesta segunda-feira (12/06) em Milão, aos 86 anos, deverá ser lembrado pelas piadinhas. Em 2002, quando exercia o cargo de primeiro-ministro da Itália pela segunda vez, fez o sinal de "diabinho" com o dedo indicador e o mindinho atrás da cabeça do então ministro das Relações Exteriores da Espanha, Josep Piqué, durante foto posada com outros líderes europeus. Na Itália, o gesto é conhecido como "corna" (o equivalente a "corno" no Brasil).

Em 2004, Berlusconi usou uma bandana quando deu as boas-vindas ao então premiê britânico Tony Blair para um fim de semana em sua propriedade na Sardenha. Anos depois, em 2008, fingiu estrangular o presidente francês, Nicolas Sarkozy, durante coletiva de imprensa em Paris.

Berlusconi era conhecido como um "grande menino" italiano, fanfarrão e travesso, um moleque como muitos italianos gostavam. Parecia ser um político que não era tão rígido quanto outros, um que sabia ser espontâneao. Mas, na verdade, segundo o jornalista Giuseppe "Beppe" Severgnini, que escreveu um livro sobre o fenômeno que era Berlusconi, a realidade era outra.

Severgnini tem convicção de que as brincadeirinhas de Berlusconi eram calculadas – e passaram do limite por diversas vezes. Ele acredita que muitos italianos – exceto, obviamente, Berlusconi e seus apoiadores – tinham vergonha das tiradas do chefe de governo.

"Berlusconi entende que críticas do exterior e a vergonha alheia de alguns de seus conterrâneos apenas serviam para aumentar sua popularidade entre as classes mais baixas – ou seja, as pessoas que costumavam votar à esquerda e que passaram a votar nele", afirmou Severgnini.

 

"Material para construir sonhos"

E houve muita, muita gente que votou em Berlusconi. Em 1994, quando concorreu ao cargo de premiê pela primeira vez, obteve 43% dos votos já de saída.

A resposta para a pergunta sobre por que tantos italianos contavam com ele pode ser encontrada no contexto do momento em que a política deixa de ser racional.

Berlusconi não tinha uma plataforma política sólida, como o colunista Ernesto Gallo della Loggia escreveu no jornal Corriere della Sera naquele ano. Berlusconi, o político, irradiava o gosto artificial do plástico, escreveu della Loggia, e as ideias que apresentava eram meras generalizações. Ainda assim, "a política tem a ver com o coração e com a imaginação, com esperança e com o material do qual são feitos sonhos. É isso que falta amargamente ao bloco moderado na Itália".

Pôsteres críticos a Berlusconi em Roma em 2010, onde se vê montagem de fotos de Berlusconi e os dizeres Pôsteres críticos a Berlusconi em Roma em 2010, onde se vê montagem de fotos de Berlusconi e os dizeres

Pôsteres críticos a Berlusconi em Roma em 2010: político foi absolvido de acusação de prostituição de menoresFoto: picture alliance/abaca

Em meados dos anos 1990, os italianos precisavam desesperadamente de sonhos. A desindustrialização tinha empurrado a economia para a beira da recessão. Privatizações foram seguidas de demissões em massa, e o mercado de trabalho tinha sido desregulamentado.

Além de tudo isso, a situação política estava em depressão – do início a meados de 1992, os dois procuradores-gerais do Estado, Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, foram assassinados pela máfia. Havia rumores de que alguns políticos tinham ligações com o crime organizado, e a corrupção era um fenômeno amplamente disseminado. A expressão "Tangentopoli", a cidade da corrupção foi primeiro atribuída a Milão, mas se tornou um símbolo da miséria daqueles tempos.

 

Grandes expectativas

Eis que surge Berlusconi: chamado de "il Cavaliere", o cavaleiro, o empreendedor prometeu voltar a tornar a Itália uma grande nação por meio do seu partido conservador Força Itália. O empresário bilionário prometeu que repetiria seus sucessos econômicos em nível nacional.

Os eleitores acreditaram – em sua maioria, provavelmente, porque queriam. Esperavam um milagre e perdoaram generosamente algumas origens não explicadas de parte de sua fortuna, além de conflitos de interesse entre suas posições políticas e seus interesses econômicos.

"Silvio Berlusconi entrou na política para defender suas empresas", disse Marcello Dell'Utri, principal consultor de Berlusconi, no início de sua carreira política em 1994. Mas os eleitores não ligavam – acreditavam que o premiê representava a eles e a seus interesses.

Giuseppe Severgnini escreveu que Berlusconi representava a versão atualizada de como italianos viam a si mesmos: "uma autobiografia cheia de omissões e comodismo".

 

Tentativa de volta triunfal no contexto europeu

Os eleitores de Berlusconi não se abalaram com os 30 processos judiciais iniciados contra ele – nem por sua arrogância.

"Digo com toda honestidade que acredito que sou, de longe, o melhor presidente que a República da Itália jamais teve em seus 150 anos de história", disse Berlusconi em 2009, durante seu quarto mandato.

Os casos com mulheres muito novas também não incomodavam os eleitores. "Bunga bunga", a expressão irônica que descrevia as orgias das quais ele foi acusado de ser o anfitrião, eram famosas e se tornaram componente sólida da cultura popular italiana.

Em meados de 2013, Berlusconi foi condenado por fraude fiscal e impedido de exercer cargos públicos por seis anos. O banimento foi anulado em 2018 e, um ano depois, o político, aos 82 anos, voltou à cena, concorrendo não como chefe de governo, mas por um assento no Parlamento Europeu. Ele já havia entrado na corrida em quatro eleições europeias anteriores, mas só foi deputado europeu entre 1999 e 2001. Nas outras três eleições, preferiu ceder o mandato a colegas de partido.

Mesmo assim, em 2019, sentiu necessidade de tomar as rédeas do destino da União Europeia em suas próprias mãos e ingressou no Parlamento Europeu como o candidato italiano com o maior número de votos.

Apenas um ano depois, porém, ficou claro que até "il Cavaliere" era vulnerável. No início de setembro de 2019, testou positivo para covid-19, e os médicos anunciaram um tratamento contra pneumonia em seus dois pulmões.

Berlusconi se recuperou e, em meados de 2022, concorreu como principal candidato para seu partido, o Força Itália, nas legislativas italianas.

O partido já tinha formado uma aliança com a legenda pós-fascista Irmãos da Itália (FdI) da atual primeira-ministra Giorgia Meloni, além do partido ultradireitista Liga. Porém, Berlusconi e seu partido não conseguiram repetir seus sucessos anteriores, acumulando apenas 8% dos votos. Como resultado, a legenda não desempenhou papel de destaque nas negociações de coalizão, impedindo Berlusconi de impor a maior parte de suas demandas contra Giorgia Meloni.

Basicamente, a situação resultou numa inversão de papeis: Meloni adquiriu suas primeiras experiências de governo como ministra da Juventude de Berlusconi (2008-2011). Após a eleição de 2022, mostrou ao antigo mentor algo que este provavelmente tinha considerado quase inconcebível durante sua vida: uma mulher moderna colocou o "Cavaliere" em seu devido lugar.

A era do "Cavaliere" agora chegou a um fim definitivo. Nesta segunda-feira, Berlusconi morreu em Milão depois de ter sido internado no fim de semana para tratar de uma leucemia e de problemas respiratórios.

 

 

Kersten Knipp / DW.com

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