EQUADOR - Com apenas dois anos na política, Daniel Noboa fez história. Tornou-se o mais jovem presidente do Equador, impedindo que a corrente de Rafael Correa voltasse ao poder e interrompendo a sequência de vitórias da esquerda na região. A transição começa nesta terça-feira (17) e os desafios econômicos e de governabilidade do novo líder serão bem maiores do que seu curto mandato.
“Como Conselho Nacional Eleitoral, consideramos os dados irreversíveis e, virtualmente, o Equador tem como presidente Daniel Noboa Azín”, anunciou no domingo (15) a presidente do Conselho Eleitoral do Equador, Diana Atamaint.
Imediatamente, da sua casa de praia em Olón, na província de Santa Elena, no sudoeste do país, o presidente eleito se pronunciou. “Amanhã, começamos a trabalhar por um novo Equador. Para reconstruir um país gravemente abatido pela violência, pela corrupção e pelo ódio. A partir de amanhã, começa a trabalhar a esperança. A partir de amanhã, começa a trabalhar Daniel Noboa, seu novo presidente da República”, anunciou, em terceira pessoa.
Com quase 97% das urnas apuradas, o empresário somou 52% dos votos, superando a advogada de esquerda, Luisa González, com 48%, e tornando-se o mais jovem presidente da história do Equador, com apenas 35 anos.
Daniel Noboa tem apenas dois anos de política. Foi eleito deputado em 2021, mas era praticamente desconhecido pelos equatorianos até cinco meses atrás. Tão desconhecido que, no seu breve discurso de vitória, ele classificou a sua candidatura como “um projeto político improvável”.
Façanha política
O presidente eleito é filho do magnata Álvaro Noboa, o empresário mais rico do país cuja fortuna começou com o comércio de bananas, do qual o Equador é o principal exportador mundial. Hoje, o conglomerado da família soma 128 empresas em dezenas de países.
O pai tentou, sem sucesso, ser presidente do Equador cinco vezes. Surpreendentemente, o desconhecido filho conseguiu logo na primeira campanha. E, logo de cara, derrotou a força política mais consolidada do país, o chamado “correísmo”, corrente política do ex-presidente Rafael Correa (2007-2017), que tenta voltar ao poder.
No primeiro turno, a candidata de Correa, Luisa González, obteve 33,6% dos votos, enquanto Daniel Noboa chegou a 23,5%. A virada mostra que o “correísmo” tem uma base consolidada de apoio, mas limitada capacidade de crescimento.
Noboa aproveitou a sua juventude para captar o voto jovem, prometendo criar novos empregos num país onde apenas três em cada dez equatorianos têm contratos adequados, sem nenhum tipo de precariedade.
A mãe do novo presidente, a médica Annabella Azín, também foi legisladora e candidata a vice-presidente. O avô de Daniel Noboa, Luis Noboa Naranjo, foi um dos empresários mais importantes do país no século passado.
Formação empresarial
O presidente eleito estudou Administração de Empresas na Escola de Negócios Stern, da Universidade de Nova Iorque. Tem três mestrados: em Administração de Negócios e Administração Pública na Kellogg School of Management, em Comunicação Política na Universidade de Harvard e Comunicação Política e Governança na Universidade de George Washington. Também estudou física e marketing.
Aos 18 anos, Daniel Noboa fundou a sua primeira empresa, a DNA, no setor de organização de eventos. Anos depois, foi diretor comercial na empresa de transporte marítimo da família.
O presidente eleito garante ser um social-democrata, mas o discurso em matéria econômica e a origem empresarial são da direita liberal.
Daniel Noboa espera o seu segundo filho, o primeiro da sua segunda esposa, a nutricionista Ángela Lavinia Valbonesi, de 25 anos.
Governo de transição
O presidente Guillermo Lasso marcou uma reunião para terça-feira no Palácio Carondelet, sede do governo, como ponto de partida para a transição. Ainda não há uma data confirmada, mas Daniel Noboa deve assumir o cargo em dezembro e governar até maio de 2025, quando prevê tentar a reeleição por um mandato completo de quatro anos.
Esses cerca de 16 meses de governo serão para completar o mandato do atual presidente Guillermo Lasso, que dissolveu o Parlamento para evitar um impeachment. A manobra foi constitucional, mas implicou no sacrifício do próprio cargo.
Daniel Noboa terá o desafio de tirar o Equador da rota do crime organizado e, sobretudo, dos carteis do México e da Colômbia que, em apenas cinco anos, transformaram um dos países mais pacíficos da América Latina no mais violento da região, passando de 5,8 a 25,6 homicídios por cada 100 mil habitantes.
A violência manchou a campanha: no total, oito líderes políticos foram assassinados. Fernando Villavicencio, um dos favoritos para o primeiro turno em 20 de agosto, foi baleado ao sair de um comício em Quito poucos dias antes da votação. A situação afugenta os investidores, complicando o futuro do país que não tem acesso ao mercado de crédito internacional.
Desafio imediato e governabilidade
Daniel Noboa também terá de lidar com os efeitos do El Niño que, a partir do mês que vem, deve resultar em estragos à já fragilizada economia equatoriana e condicionar o sucesso do novo governo. Os cálculos dos danos que o fenômeno climático deve causar variam entre 5% e 10% do PIB.
“Seria um golpe econômico mais forte do que a Covid. A pandemia significou que ficássemos em casa. A economia caiu por falta de demanda. Nesse caso, haverá destruição. Vejo um cenário muito difícil durante 2024 para o novo presidente, podendo comprometer o seu mandato de transição e a sua continuidade, caso busque a reeleição”, indica à RFI o cientista político, Fernando Carrión, da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso).
A garantia de governabilidade e a capacidade de contornar a crise estarão associadas às alianças na Assembleia Nacional, cruciais para aprovar medidas tendentes a aliviar o déficit fiscal (em torno de 5% do PIB).
Dos 137 legisladores do Parlamento unicameral, apenas 12 são da aliança Ação Democrática Nacional (ADN), de Daniel Noboa. Com potenciais aliados, o novo governo pode chegar aos 70 legisladores necessários para uma maioria simples. Porém, as decisões mais cruciais podem depender do Revolução Cidadã, a força política que responde ao ex-presidente Rafael Correa, que, com 50 legisladores, é a principal bancada.
O analista político, Fernando Carrión, destaca que Daniel Noboa nunca se apresentou como “anti-correísta”, visando, estrategicamente, romper com a polarização que divide o país.
“Eu não descartaria que haja algum tipo de acordo. Talvez não seja imediato, mas pode haver alguma negociação política para uma saída jurídica que beneficie Rafael Correa e que permita o seu retorno ao país em troca de governabilidade. Ou seja: algum tipo de anistia em troca de duas ou três leis, cruciais para o país e para a governabilidade”, aponta Carrión.
O ex-presidente Rafael Correa vive exilado na Bélgica, sem possibilidade de voltar sem ser preso ao Equador, onde foi condenado a oito anos de prisão e a 25 anos de inelegibilidade por corrupção.
Quanto ao atual presidente Guillermo Lasso, o futuro é menos épico, avalia Carrión. "Guillermo Lasso sai da cena política para sempre. O seu partido nem mesmo participou das eleições. Acabou. Foi uma decepção total."
por Márcio Resende / RFI