SÃO PAULO/SP - A reação dos ativos locais à vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na corrida presidencial deve ser negativa, mas ainda condicionada ao cenário externo, diante da preferência do mercado à agenda de Jair Bolsonaro (PL) e da falta de informações sobre os pilares econômicos do novo governo.
A visão é de economistas e agentes de mercados, que ressaltaram que, apesar da expectativa de ajustes para baixo ao longo da semana, a eleição de Lula já estava em boa medida precificada e o foco agora se volta às suas sinalizações sobre a futura condução da política econômica e os arranjos políticos.
Com 99,99% das seções eleitorais apuradas, Lula alcançou 50,90% dos votos válidos, não podendo mais ser alcançado por Bolsonaro, que somava 49,10%, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
"A eleição apertada exige que presidente eleito faça composição com centro", disse Cristiano Oliveira, economista-chefe do banco Fibra, que viu como "muito positivo" a referência à união nacional feita por Lula em discurso logo após sua eleição, com agradecimentos a apoiadores de fora do seu partido.
Ele disse esperar que o dólar possa perder um pouco de valor no início da segunda-feira, mas voltando para próximo do patamar de sexta-feria ao longo do dia.
José Alberto Baltieri, gestor da Asa Investments, disse que a maior expectativa é em relação ao nome do próximo ministro da Fazenda.
"É aí que o Lula consegue se diferenciar e ganhar o voto de confiança do mercado", afirmou, destacando que haveria uma reação negativa à indicação de um político.
Baltieri espera queda dos papéis das estatais nesta segunda-feira, particularmente da Petrobras, que ainda precificava uma chance, embora reduzida, de avanço da privatização com uma vitória de Jair Bolsonaro. Já ações de segmentos como educação e construção civil, que se beneficiaram de programas de governos petistas no passado, tendem a se valorizar, afirmou.
O Ibovespa acumulou na semana passada queda de 4,49%, com recuo em quatro das cinco sessões, após ter avançado 7,01% na semana anterior
"Os grandes impactos no mercado virão após a sinalização do ministro da Economia, que, por consequência, vai pautar o programa econômico de Lula", reforçou Luciano França, sócio-fundador da Avantgarde Asset Management. "Teremos cenas dos próximos capítulos. O que é esperado é um resultado ruim para os ativos públicos amanhã, dado o histórico de gestões anteriores do Partido dos Trabalhadores, principalmente durante o governo Dilma."
Em geral, os ativos brasileiros reagiram positivamente às votações do primeiro turno, com maior possibilidade de vitória de Bolsonaro, que é visto como tendo um governo de agenda mais liberal, e em meio à eleição de um Congresso mais conservador do que o esperado, o que pode limitar uma agenda econômica de Lula, na visão de agentes de mercado.
No entanto, na última semana, após o caso Roberto Jefferson, os mercados ajustaram. O Ibovespa caiu mais de 4% na semana e o real desvalorizou 3% ante o dólar. Aliado de Bolsonaro, Jefferson foi preso após várias horas de negociações com agentes da Polícia Federal (PF) que foram até a casa do ex-deputado no interior do Estado do Rio de Janeiro no domingo para cumprir uma decisão que revogava a prisão domiciliar dele.
RISCO DE CONTESTAÇÃO
Uma outra preocupação dos investidores era com relação a uma possível contestação do resultado, especialmente pelo atual presidente. Bolsonaro acusa a autoridade eleitoral de ser parcial e também já disse que só reconhecerá os resultados se as eleições forem limpas e transparentes, sem detalhar o que isso significa. Até a publicação da reportagem, ele ainda não havia comentado o resultado.
Neste domingo, houve relatos de operações da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que estavam proibidas diante da possibilidade de atrapalharem a movimentação de eleitores. O TSE determinou que fossem interrompidas, disse o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, nesta tarde, descartando a possibilidade de algum eleitor ter ficado sem votar por causa da ação da PRF.
"Talvez o mercado abra um pouco em baixa amanhã, não tanto pelo risco e agenda econômica, mas muito mais pela questão de se entender qual vai ser a resposta institucional", disse Roberto Padovani, economista do banco BV.
Na mesma linha, a equipe do JPMorgan liderada por Cassiana Fernandez ressaltou em relatório preocupações com a tensão política.
"Com um resultado tão apertado, reconhecemos que a tensão política pode aumentar no curto prazo, e estaremos monitorando de perto este risco nos dias à frente. Ainda assim, como sinalizamos há algum tempo, não vemos razão para acreditar Lula não tomará posse em janeiro de 2023."
As eleições estaduais também devem ter impacto no mercado, mas de maneira mais segmentada. A empresa de saneamento paulista Sabesp vinha reagindo positivamente à possibilidade de vitória de Tarcísio de Freitas (Republicanos) sobre Fernando Haddad (PT), confirmada nas urnas neste domingo, com investidores vendo maior chance de privatização.
Por Andre Romani / REUTERS