BRASÍLIA/DF - O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) impôs sigilo sobre a íntegra das imagens dos atos de vandalismo registradas pelo sistema de câmeras do Palácio do Planalto, alegando riscos para a segurança das instalações presidenciais.
No entanto divulgou oficialmente trechos editados dessas imagens que não permitem analisar a atuação e eventual omissão das forças de segurança no dia 8 de janeiro dentro do palácio, além de priorizar passagens que ligam a imagem dos ataques mais fortemente ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O governo Lula também chegou a impor sigilo na lista de convidados para a recepção no Itamaraty após a posse do petista, no dia 1º de janeiro. A medida, no entanto, gerou desgaste, e a lista, foi com mais de 3.500 nomes, foi posteriormente divulgada.
O argumento original para a imposição do sigilo era que o evento tinha "caráter reservado" e que a divulgação poderia "prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais" do país.
A principal razão para o desgaste é que Lula criticou em diferentes ocasiões o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pela decretação de sigilo em informações do governo federal.
A reportagem pediu via Lei de Acesso à Informação a íntegra das imagens registradas pelas câmeras de segurança internas e externas do sistema do Palácio do Planalto referentes ao domingo em que manifestantes golpistas vandalizaram os prédios dos Três Poderes.
Além do Planalto, os apoiadores do ex-presidente Bolsonaro avançaram sobre as forças de segurança e invadiram o Congresso Nacional e o STF (Supremo Tribunal Federal).
Ao negar acesso à íntegra das imagens, o GSI (Gabinete de Segurança Institucional), comandado pelo general Gonçalves Dias, afirma não ser "razoável" por divulgar informações que exponham métodos, equipamentos, procedimentos operacionais e recursos humanos da segurança presidencial.
"Dessa forma, presente pedido de informação não pode ser atendido, haja vista que as imagens do sistema de vídeo monitoramento do Palácio do Planalto são de acesso restrito, considerando que sua divulgação indiscriminada traz prejuízos e vulnerabilidades para a atividade de segurança das instalações presidenciais", diz a resposta.
Em outro trecho, afirma: "Caso seja facultado o acesso às informações solicitadas, a eficiência, como princípio constitucional da administração pública, e o interesse público de prevenir ações adversas contra as autoridades protegidas pelo GSI/PR ficam desamparados".
O gabinete ainda acrescenta que as imagens solicitadas já estão sendo utilizadas no âmbito de processo investigatório para a elucidação dos eventos do dia 8 de janeiro. Cópias dos vídeos foram encaminhadas para o Exército e para a PF (Polícia Federal), que apuram o episódio.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, policiais utilizam uma mistura de inteligência artificial e trabalho manual para identificar os criminosos. No Planalto, foram coletadas imagens de 22 câmeras do sistema de TV interno.
Esses terabytes de imagens são analisados pela inteligência artificial para servir na montagem da dinâmica do ocorrido e para identificar os envolvidos. O sistema identifica, quadro a quadro, todas as faces encontradas.
Para isso, a inteligência desenvolvida pela PF demarca 512 pontos em cada uma das faces.
Esses apontamentos são comparados com os rostos identificados pelo mesmo processo nas fotos dos presos tiradas na hora da detenção, em bancos de imagens do governo, vídeos extraídos de celulares e outros bancos da corporação.
Na apuração da PF, as cenas de locais onde o estrago foi maior e algumas específicas, como a quebra do relógio de dom João e da depredação do quadro de Di Cavalcanti, estão sendo priorizadas.
Os trechos divulgados pelo governo focam especialmente os momentos de vandalismo e contribuíram para a identificação dos golpistas.
Os recortes das imagens das câmeras de segurança foram inicialmente divulgados no dia 15 de janeiro pelo programa Fantástico, da TV Globo. Na sequência, todos os veículos de imprensa que requisitaram oficialmente os vídeos tiveram acesso ao mesmo conteúdo.
Em uma das imagens de maior repercussão, um manifestante golpista usando uma camiseta com o rosto de Jair Bolsonaro estampado joga no chão o relógio histórico que foi trazido ao Brasil por dom João 6º.
Fontes que tiveram acesso a mais imagens das câmeras de segurança, no entanto, apontam que esse não foi o único manifestante a vandalizar o relógio.
O item histórico chegou a ser recolocado no lugar, mas depois uma nova turba o jogou no chão novamente. O governo, no entanto, preferiu divulgar apenas a imagem do homem com a camiseta do ex-presidente.
Os trechos divulgados também mostram os manifestantes golpistas circulando livremente, avançando sobre diversas áreas do Palácio do Planalto, sem serem confrontados pelas forças de segurança.
A maioria deles veste camisetas com as cores verde e amarela alguns também aparecem nas imagens carregando bandeiras do Brasil.
Os manifestantes chegam a ter tempo para recarregar os telefones celulares nas tomadas do palácio e fazem ligações e transmissões ao vivo.
Em apenas um dos trechos divulgados, um agente das forças de segurança aparece por poucos segundos, do lado de fora do Planalto, tentando dialogar com um manifestante pela janela.
O papel do Gabinete de Segurança Institucional durante a invasão do Planalto tornou-se um ponto de grande discussão dada a facilidade encontrada pelos manifestantes, além de o órgão ter virado alvo de críticas internas.
O GSI não preparou um esquema de segurança para os atos e há dúvidas sobre a atuação de seus agentes para tentar conter a invasão.
A reportagem questionou a Secretaria de Comunicação Social do governo por que apenas trechos editados foram divulgados e quais os critérios para selecionar quais trechos se tornaram públicos.
Também foi questionado por que apenas o trecho da destruição do relógio pelo manifestante com a camiseta de Bolsonaro foi divulgado, sendo que outras pessoas também vandalizaram o item histórico.
O governo não respondeu os questionamentos específicos e apenas reenviou a resposta dada pelo GSI para negar o pedido via Lei de Acesso à Informação.
por RENATO MACHADO E MARIANNA HOLANDA / FOLHA de S.PAULO