KIEV - A Rússia mobilizou forças terrestres, ataques aéreos e artilharia em uma ofensiva devastadora que visa completar a captura do leste da Ucrânia, mas Kiev disse que suas tropas estão resistindo ferozmente.
Combates intensos foram relatados nesta terça-feira em localidades da linha de frente perto da cidade de Donetsk, no leste, onde autoridades ucranianas disseram que tropas russas estavam lançando ondas de ataques enquanto tentam tomar o controle da região industrializada de Donbas.
"A situação na região é tensa --bombardeios são constantes em toda a linha de frente... O inimigo também está usando muitos ataques aéreos", disse Pavlo Kyrylenko, governador da região de Donetsk, uma das duas que compõem Donbas, à TV ucraniana.
"O inimigo não está tendo sucesso. A região de Donetsk está resistindo."
Os militares ucranianos disseram que repeliram ataques terrestres na direção das cidades de Bakhmut e Avdiivka e destruíram unidades de reconhecimento russas, inclusive perto de Bakhmut.
A Rússia deu uma avaliação diferente. O líder checheno Ramzan Kadyrov afirmou que suas forças capturaram uma fábrica para Moscou nos limites da cidade de Soledar, e outras forças apoiadas pela Rússia disseram que estavam no processo de "limpar" a vila fortemente fortificada de Pisky.
Alguns dos lugares que a Rússia está atacando, como Pisky, são assentamentos fortemente fortificados entrecruzados com túneis e trincheiras onde as forças ucranianas estão há muito entrincheiradas.
A Reuters não pôde verificar os relatos do campo de batalha de nenhum dos lados.
A inteligência militar britânica, que está ajudando a Ucrânia, disse que o avanço da Rússia em direção à cidade de Bakhmut foi sua operação de maior sucesso em Donbas nos últimos 30 dias, mas que conseguiu avançar apenas cerca de 10 quilômetros. Acrescentou que as forças russas em outras áreas não ganharam mais de 3 km no mesmo período.
A Rússia, como parte do que chama de "operação militar especial", afirmou que planeja assumir o controle total de Donbas em nome das forças separatistas pró-Kremlin, enquanto autoridades russas instaladas em partes do sul da Ucrânia disseram que planejam avançar com referendos para aderir à Rússia.
A Ucrânia, que diz que a Rússia está realizando uma guerra de agressão não provocada ao estilo imperialista, está apostando em sofisticados sistemas de foguetes e artilharia fornecidos pelo Ocidente para degradar as linhas de suprimentos e logística russas.
Kiev, que fez progressos modestos nas últimas semanas na retomada de alguns assentamentos em alguns lugares, também está recebendo ajuda ocidental quando se trata de inteligência, treinamento e logística, e espera poder lançar uma contraofensiva mais ampla no sul da Ucrânia para desalojar as forças de Moscou.
O presidente da Ucrânia, Volodymr Zelenskiy, disse em entrevista ao Washington Post que deseja que o Ocidente imponha uma proibição de viagens geral a todos os russos, incluindo aqueles que fugiram da Rússia desde 24 de fevereiro, e que eles "vivam em seu próprio mundo até que mudem sua filosofia".
Por Pavel Polityuk / REUTERS
UCRÂNIA - A administração russa instalada na cidade ocupada de Energodar acusou a Ucrânia de ter bombardeado a central nuclear de Zaporizhzhia, controlada pela Rússia, avançou a agência TASS.
"Hoje, durante a mudança de turno dos trabalhadores da central, por volta das 15h00, unidades nacionalistas dispararam sobre a zona da central a partir do território controlado pelo regime ucraniano", referem as forças invasoras acrescentando que o ataque provocou um incêndio na central e cortou duas linhas de abastecimento de energia necessárias ao seu funcionamento.
Por outro lado, a Energoatom, empresa que opera a central nuclear, afirma que o ataque foi lançado por um bombardeamento russo e acusa Moscovo de "provocação", através de uma mensagem partilhada no Telegram.
A empresa acusa os russos de encenar um ataque e disparar na direção da central.
Recorde-se que ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro pela Rússia na Ucrânia causou já a fuga de quase 17 milhões de pessoas de suas casas - mais de seis milhões de deslocados internos e mais de dez milhões para os países vizinhos -, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
UCRÂNIA - O grupo de direitos humanos, Anistia Internacional, acusou a Ucrânia na quinta-feira, 04, de colocar a vida de civis em risco ao basear tropas em áreas residenciais durante a invasão russa, em um relatório que Kiev relacionou à propaganda e à desinformação da Rússia.
O presidente Volodymyr Zelenskiy liderou as fortes críticas ucranianas às alegações da Anistia Internacional, acusando o grupo de cumplicidade com o que chamou de ataques não provocados da Rússia à Ucrânia. O grupo de direitos humanos, segundo ele, estava tentando “transferir a responsabilidade do agressor para a vítima”.
Funcionários da Anistia testemunharam forças ucranianas “estabelecendo bases e operando sistemas de armas” em algumas áreas residenciais habitadas durante visitas a várias linhas de frente no leste e no sul da Ucrânia entre abril e julho, disse o relatório.
“Nós documentamos um padrão das forças ucranianas colocando civis em risco e violando as leis da guerra ao operarem em áreas povoadas”, disse a secretária-geral da Anistia Internacional, Agnès Callamard, segundo o relatório.
Zelenskiy, em sua mensagem por vídeo noturna, afirmou que o grupo estava tentando “anistiar um Estado terrorista” --termo que ele frequentemente usa para a Rússia.
"Não há condições, nem pode haver, mesmo hipoteticamente, sob qualquer condição, que justifique um ataque russo à Ucrânia", disse Zelenskiy, claramente agitado.
Autoridades ucranianas dizem que tomam todas as medidas possíveis para retirar civis das linhas de frente. A Rússia nega estar tentando atingir civis no que descreve como “operação militar especial”.
Reportagem de Max Hunder / REUTERS
RÚSSIA - Moscou acusou, os Estados Unidos de estarem “diretamente envolvidos” na guerra na Ucrânia, através do fornecimento do apoio de inteligência e ao coordenar, os ataques com mísseis do exército ucraniano.
O líder da inteligência militar ucraniana, Vadym Skibitsky, falou a um jornal britânico sobre parcerias entre agentes ucranianos e norte-americanos. E com isso, o porta-voz da Defesa russo, Igor Konashénkov, apontou as declarações, como provas de que EUA e Ucrânia coordenam as operações dos lança-foguetes móveis HIMARS.
“A administração de Joe Biden é diretamente responsável por todos os ataques de mísseis aprovados por Kiev em áreas residenciais e infraestruturas civis em áreas povoadas de Donbass e outras regiões que causaram a morte de muito civis“, disse o Ministério de Defesa da Rússia em comunicado.
Já Vadym Skivitsky negou que os EUA interfiram ou apontem os alvos a serem atingidos, mas não descartou que ambos os países troquem informações antes de cada ataque.
Segundo fontes a posição oficial dos Estados Unidos sobre estarem envolvidos na guerra é de total apoio econômico e logístico aos ucranianos. Nesta semana, os EUA anunciaram um novo pacote de ajuda militar para a Ucrânia, de 550 milhões de dólares, que inclui projéteis e lança-foguetes HIMARS.
UCRÂNIA - O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, disse nesta terça-feira (2) que suas forças não conseguiram superar as da Rússia em armas pesadas nem em quantidade de soldados desde a invasão russa no país.
"Isso é muito sentido em combate, especialmente no Donbass [o leste ucraniano]. É simplesmente um inferno lá. Não consigo descrever", disse em discurso.
A declaração de Zelenski, em certa medida, contrasta com o tom adotado por ele nas primeiras semanas do conflito. Na época, Kiev acreditava que a resistência de seus soldados e o envio de equipamentos militares pelo Ocidente dissipariam as forças russas.
Mais de cinco meses após a invasão, porém, a Ucrânia tem dificuldades em lutar contra os russos no sul e no leste do país. A maior parte do Donbass, por exemplo, está sob domínio do Kremlin ou de separatistas apoiados por Moscou.
EUA - A trajetória esperada para as taxas de juros nos países ocidentais se baseia em duas esperanças: que a inflação esteja prestes a atingir o pico e que a dura tônica dos bancos centrais também, uma linha de pensamento que Zoltan Pozsar, chefe global de estratégia de taxas de juros de curto prazo no Credit Suisse, considera preocupante.
A visão de que a inflação está prestes a atingir a crista pressupõe um mundo estável sem prêmios de risco geopolítico, o que é problemático porque "vivemos em um mundo instável onde os prêmios de risco geopolítico estão aumentando", diz ele.
Se a primeira visão está errada (a inflação é impulsionada pela guerra econômica, não pelo estímulo), a segunda também está (não estamos no auge dessa dureza de discurso dos BCs), diz Pozsar, às vezes conhecido simplesmente por seu primeiro nome e por uma hashtag.
Se a guerra econômica é o contexto certo para entender a inflação, então os bancos centrais ocidentais não têm boas opções para minar o aumento dos preços. Eles podem reduzir a demanda aumentando os juros, mas e se a oferta se deslocar mais rapidamente do que a demanda?
"O mercado não pensa muito sobre isso", diz Pozsar. "As guerras são difíceis de prever."
Para onde a inflação vai depende não apenas dos choques passados, mas também dos muitos choques que ainda podem acontecer. Isso inclui mais sanções, tratar as commodities cada vez mais como armas, mais sanções tecnológicas e problemas na cadeia de suprimentos para produtos baratos.
"A guerra econômica que se desenrola entre grandes potências é estocástica e não linear", diz ele.
"Acertar para onde a inflação vai daqui é basicamente uma questão de perspectiva: você vê a inflação como cíclica (uma reabertura confusa após a Covid, exacerbada por estímulos excessivos) ou estrutural (uma transição confusa para uma ordem mundial multipolar, onde duas grandes potências estão desafiando o poder e a hegemonia dos Estados Unidos)?"
"Pela primeira (perspectiva), a inflação atingiu o pico. Na segunda, a inflação mal começou", diz Pozsar.
Herbert Lash / REUTERS
JAPÃO - O primeiro-ministro do Japão, Kishida Fumio, disse durante a reunião de revisão do Tratado sobre a Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) que o Japão está determinado a continuar dando apoio ao tratado juntamente com todas as partes envolvidas.
Na segunda-feira (1º), Kishida tornou-se o primeiro premiê japonês a participar de uma Conferência de Revisão das Partes do TNP. Em um discurso proferido na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, Kishida disse que o tratado "tem servido como pedra fundamental do regime internacional de desarmamento e não proliferação nuclear para a realização da segurança e da paz internacional,”
Kishida pediu aos delegados presentes na reunião que "unissem as forças para alcançar um resultado significativo nesta conferência."
O premiê revelou um plano de ação com cinco pontos que visa concretizar um mundo sem armas nucleares de maneira realista. O primeiro ponto do "Plano de Ação de Hiroshima" enfatiza a importância de se estender o período durante o qual nenhuma arma nuclear é utilizada.
O segundo ponto trata da transparência. O premiê pediu a todos os Estados que possuem armas nucleares que reportem informações sobre a situação da produção de materiais físseis.
O terceiro ponto diz respeito a continuar com os esforços para reduzir os arsenais nucleares no mundo. Kishida disse que o Japão apoia o diálogo entre os Estados Unidos e a Rússia para que os dois países reduzam ainda mais seus estoques. Ele também disse que Tóquio "incentiva os EUA e a China a se engajarem em um diálogo bilateral sobre desarmamento e controle de armas nucleares."
Ele enfatizou a necessidade de revitalizar as discussões sobre o Tratado de Proibição Total de Testes Nucleares (ou CTBT, na sigla em inglês) e afirmou que convocará uma reunião a nível de líderes durante a Assembleia Geral da ONU, em setembro, para "dar um impulso que facilite a entrada em vigor do CTBT."
Kishida disse que o Japão está comprometido em desempenhar um papel para lidar com a questão do desenvolvimento nuclear e de mísseis da Coreia do Norte. Acrescentou que o governo japonês está pronto para contribuir com 10 milhões de dólares para que a ONU crie um "Fundo para Jovens Líderes por um mundo sem armas nucleares". Ele disse que o Japão convidará futuros líderes ao país e lhes fornecerá oportunidades para aprender em primeira mão as realidades do uso de armas nucleares.
Kishida disse que vê a cúpula do G7 de 2023, que será realizada em Hiroshima, como uma chance de "mostrar, a partir de Hiroshima, o firme compromisso do Japão de nunca mais repetir a catástrofe dos bombardeios atômicos."
Segurando uma dobradura de papel típica da cultura japonesa, o origami, Kishida disse que "os grous [uma espécie de ave] de papel passaram a simbolizar as orações de pessoas do mundo todo pela paz e por um mundo sem armas nucleares". Ele disse que "daria passos rumo a um mundo sem armas nucleares juntamente com todas as pessoas ao redor do mundo que compartilham esse mesmo desejo".
Por NHK
UCRÂNIA - Nesta terça-feira (02), as autoridades ucranianas iniciaram a "retirada obrigatória" da população da região de Donetsk, no leste da Ucrânia.
A vice-primeira-ministra ucraniana, Iryna Vereshchuk, que é responsável pela reintegração dos territórios ocupados, anunciou o primeiro transporte para crianças, mulheres, idosos e pessoas com mobilidade reduzida, refere o portal oficial Ukrinform.
Segundo comunicado oficial do governo, o primeiro comboio partiu da região leste da Ucrânia numa altura em que se intensificam os combates, e espera-se que chegue na quarta-feira até Kropyvnytskyi.
A vice-primeira-ministra disse ainda que Kiev garante a segurança aos deslocados e a posterior recolocação em zonas seguras como para Lviv e outras cidades do oeste do país, onde estão sendo preparados alojamentos de acolhimento a esses refugiados.
No fim de semana o governo ucraniano anunciou a decisão de proceder à "retirada obrigatória" dos civis de Donetsk.
O chefe de Estado ucraniano, Volodymyr Zelensky, através de uma mensagem difundida pelo Telegram, pediu aos habitantes para se retirarem da zona assegurando assistência na deslocação assim como apoio económico.
"Confiem em mim", afirmou Zelensky, admitindo que ainda há "milhares de pessoas" que não querem abandonar o local.
Na semana passada uma nota foi divulgada pelo chefe de administração ucraniana de Donetsk, Pavlo Kyrylenko, dizendo que em julho morreram na sequência de ataques russos "662 pessoas" e 1711 ficaram feridas.
RÚSSIA - Autoridades russas informaram no domingo (31/07) que um ataque com drone carregado de explosivos feriu cinco pessoas no quartel-general da sua frota no Mar Negro, na Crimeia anexada.
O governador russo de Sebastopol, Mikhail Razvojayev, postou em sua conta do Telegram a seguinte mensagem: "Esta manhã, nacionalistas ucranianos decidiram estragar o Dia da Frota Russa", em referência à data que é comemorada na Rússia neste domingo. "Um objeto não identificado voou para o pátio da sede da frota, segundo dados preliminares, era um drone. Cinco pessoas ficaram feridas, são funcionários da sede da frota, não houve vítimas fatais", completou.
Após a explosão, todas as festividades do Dia da Frota Russa "foram canceladas por razões de segurança", disse Razvojayev, pedindo aos moradores de Sebastopol que não deixem suas casas "se possível".
O ataque é o mais recente revés para a frota do Mar Negro durante a guerra contra a Ucrânia. Em abril, a Ucrânia afundou o principal navio da frota do Mar Negro, o cruzador Moskva. Até hoje não está claro quantos marinheiros foram mortos no ataque.
As autoridades ucranianas, por sua vez, negaram estar por trás do ataque sem precedentes, descrevendo as acusações russas como "provocação deliberada".
O anúncio de um "suposto ataque ucraniano à sede da frota russa em Sebastopol" é "uma provocação deliberada", disse Serguii Bratchuk, porta-voz da administração regional de Odessa (sul da Ucrânia), em um vídeo no Telegram. "A libertação da Crimeia ucraniana ocupada acontecerá de outra maneira muito mais eficiente", acrescentou.
As acusações russas foram feitas horas antes de o presidente russo Vladimir Putin anunciar, em discurso em São Petersburgo, que sua Marinha seria equipada "nos próximos meses" com um novo míssil de cruzeiro hipersônico Zircon, que "não conhece obstáculos".
A frota russa "é capaz de infligir uma resposta devastadora a todos aqueles que decidirem atacar a nossa soberania e liberdade", assegurou Putin, ressaltando que os seus equipamentos militares "estão sujeitos a melhorias contínuas". A entrega dos mísseis Zircon "às Forças Armadas russas começará nos próximos meses", disse ele.
Ataques russos
No sul da Ucrânia, as autoridades de Mykolaiv apontaram neste domingo que a cidade havia sido alvo de intensos bombardeios russos, "os mais fortes" desde o início da guerra, que deixaram pelo menos dois mortos: um magnata do setor agrícola e sua esposa, que morreram após terem a mansão atingida por um míssil russo.
De acordo com o prefeito da cidade, Oleksandre Senkevych, "explosões poderosas" foram ouvidas duas vezes durante esta madrugada.
Outros ataques atingiram as regiões de Kharkiv (leste) e Sumy (nordeste).
Na noite de sábado, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, pediu aos moradores da região de Donetsk que deixassem a região para escapar do "terror russo" e dos bombardeios neste território no leste do país, em grande parte sob o controle de Moscou. "Foi tomada uma decisão do governo sobre a evacuação obrigatória da região de Donetsk", disse Zelensky em vídeo. "Quanto mais moradores deixarem a região de Donetsk agora, menos pessoas o exército russo matará", completou.
Pelo menos 200.000 civis ainda vivem nos territórios da região de Donetsk que ainda não estão sob ocupação russa, segundo uma estimativa das autoridades ucranianas.
jps (AFP, Reuters, ots)
UCRÂNIA - Enquanto os militares ucranianos aumentam seus ataques na ofensiva para retomada da região de Kherson, no sul do país, outra força vem trabalhando ao seu lado. É o exército da resistência ucraniana - uma rede de agentes e informantes operando atrás das linhas inimigas.
Nossa viagem para encontrar os combatentes da resistência ucraniana nos leva através de um cenário com as cores da bandeira ucraniana - entre girassóis amarelos e o céu azul - até Mykolaiv, a primeira cidade importante em território controlado pela Ucrânia a oeste de Kherson, que se tornou o quartel-general da facção no front do sul do país.
Passando pelos postos de controle militares, vemos enormes outdoors mostrando um vulto encapuzado, sem rosto, e um aviso: "Kherson: a resistência vê tudo". A imagem foi criada para deixar os ocupantes russos da região nervosos e elevar o ânimo das pessoas que acabaram sob seu controle.
"A resistência não é um grupo - é resistência total", insiste o homem à minha frente. Sua voz parece um pouco abafada pela máscara preta que ele ergue do pescoço para esconder seu rosto enquanto o filmamos, em um quarto que não posso descrever para que não possa ser encontrado.
Vou chamá-lo de Sasha (nome fictício).
'Não conseguia ficar em casa'
Pouco antes da guerra, a Ucrânia reforçou suas Forças Especiais, em parte para formar e gerenciar um movimento de resistência. Foi até publicado um boletim eletrônico com instruções sobre como ser um bom membro da resistência, ensinando a cometer atos subversivos como cortar os pneus dos veículos de ocupação, acrescentar açúcar aos tanques de gasolina ou recusar-se a seguir ordens no trabalho. "Demonstre má vontade", era uma das sugestões.
Mas a equipe de informantes de Sasha tem um papel mais ativo: rastrear os movimentos das tropas russas dentro de Kherson.
"Digamos que ontem tivéssemos visto um novo alvo. Nós enviamos essa informação para os militares e, depois de um dia ou dois, ele não existe mais", afirma ele, enquanto examinamos alguns dos muitos vídeos das regiões vizinhas que ele manda todos os dias.
Um desses vídeos é de um homem que passou de carro por uma base militar e filmou veículos russos e outro é uma gravação de circuito fechado de TV enquanto passavam caminhões russos, assinalados com suas gigantes marcas de guerra em "Z".
Sasha descreve seus "agentes" como ucranianos "que não perderam a esperança na vitória e querem a liberação do nosso país".
"É claro que eles têm medo", ele conta. "Mas servir o seu país é mais importante."
Trabalhando ao lado de Sasha, existe uma equipe que pilota drones sobre Kherson para identificar alvos para os militares. Todos são voluntários civis, não soldados, que arrecadam dinheiro nas redes sociais para pagar o alto custo do seu equipamento.
O encarregado das operações cultivava plantas decorativas antes da guerra, mas Serhii conta que ele entrou na luta para liberar o sul da Ucrânia depois de ver os corpos de civis executados na cidade de Bucha durante a ocupação russa na região. "Eu simplesmente não conseguia ficar em casa depois daquilo", ele conta. "Eu não sabia o que mais poderia fazer ou pensar, enquanto essa guerra continua."
Mas a tarefa que ele escolheu é extremamente perigosa. Sua equipe de quatro pessoas é bombardeada pelos russos toda vez que sai às ruas, mas ninguém foi morto.
"Sei que, até certo ponto, é questão de sorte." Serhii dá de ombros e abre um pequeno sorriso. "Mas, pelo menos, se acontecer comigo, saberei que foi por uma causa."
Os membros da resistência estão lutando para evitar que o domínio russo sobre Kherson se torne permanente. A ideia é impedir um referendo que Moscou parece estar planejando na região.
A Rússia já introduziu o rublo e suas próprias redes de telefonia móvel em Kherson e está espalhando sua propaganda, com seus canais de TV estatais, pelos lares ucranianos. Jornalistas locais fugiram ou agora são clandestinos.
O chefe de operações da região, Dmytro Butrii, exilou-se na cidade de Mykolaiv em uma pequena área de retaguarda protegida por sacos de areia. Ele defende que uma votação para integrar a Rússia seria uma farsa, "fake total", e não seria reconhecida por nenhum governo "civilizado".
Mas, atualmente, isso não teria muita importância para Moscou. Para a Rússia, trata-se de uma região estratégica: é a fonte de água da Crimeia, anexada ilegalmente por Moscou em 2014, e a última parte da tão discutida "ponte por terra" - uma faixa de território que liga a Rússia propriamente dita à península ocupada.
Alguns moradores locais mudaram de lado para ajudar os russos. Por isso, a equipe de Sasha está formando um banco de dados desses "colaboradores", com informações internas.
"É para que ninguém possa dizer mais tarde que estava com a resistência", explica ele.
Mas também é para intimidação. Os membros da resistência são incentivados a afixar cartazes ameaçadores nas paredes das casas dos colaboradores, com desenhos que incluem o rosto da pessoa e um caixão, ou um cartaz de "procura-se", oferecendo grandes recompensas pela sua morte. Os ativistas fotografam o resultado e enviam para Sasha.
"Existem muitas pichações", segundo ele. "As pessoas escrevem coisas como 'dane-se o seu referendo' e colam seus cartazes."
Sasha descreve seus últimos relatos de Kherson. "Isso mostra como as pessoas não têm medo. Em uma cidade com patrulhas militares por toda parte, eles conseguem imprimir folhetos e andar com cola, sabendo que podem ser parados a qualquer momento e que as coisas podem terminar muito mal."
Tem havido uma série de tentativas de assassinato de pessoas que passaram a apoiar os russos. Um blogueiro foi baleado, um funcionário do governo instalado pela Rússia foi morto e outros ficaram feridos em carros bombardeados.
Agora, as pessoas proeminentes que mudaram de lado sempre usam coletes à prova de balas. Os homens que conheci afirmam que não têm nada a ver com os ataques, mas também não expressam pesar pelos acontecimentos.
"Não tenho palavras para eles, a não ser 'traidores' e 'escória'", afirma Sasha. "Eles são nossos inimigos."
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, segue afirmando que sua invasão da Ucrânia é uma operação de "libertação". Mas, em Kherson, suas tropas lideram pela força e pelo medo.
Desde que as forças russas ocuparam a região, em março, centenas de pessoas já foram detidas e muitas delas torturadas. Algumas desapareceram, sem que se tivesse notícias delas por semanas. Outras foram encontradas mortas ou seus corpos foram devolvidos em sacos para os parentes pela custódia russa.
Fontes na cidade descrevem soldados patrulhando as ruas e ônibus parados aleatoriamente para checar todos os passageiros. A mais leve indicação de apoio à Ucrânia, como mensagens ou fotos no seu celular, pode levar à prisão.
Cada vez que Oleh sorri em frente ao espelho, os espaços onde antes ficavam seus dentes são uma lembrança dos espancamentos cometidos pelos seus interrogadores russos. Ele conta que também teve sete costelas quebradas - e três delas ainda não estão curadas. Seu nome verdadeiro não é Oleh, mas ele pediu para não revelar sua identidade.
Membro da resistência, ele testemunhou a tortura de outro prisioneiro, Denys Mironov, que morreu sob a custódia russa.
Acusações de 'nazismo'
Oleh conta com detalhes assustadores o que aconteceu depois de 27 de março, quando ele e Denys foram capturados na rua. Ele descreve torturas constantes nas primeiras horas, que envolveram choques elétricos, asfixia e ameaças de morte. Ele tem certeza de que seus interrogadores eram do FSB, o serviço de segurança russo.
Em dado momento, ele ficou tão desesperado que pensou em pôr fim à própria vida, chegando a atacar um guarda para que atirasse nele.
"Eles estavam procurando nazistas e me batiam porque eu era careca. Eles contavam que tinham capturado um nazista maldito", responde ele, quando pergunto quais informações seus captores queriam. "Quando eles tiraram minhas roupas, viram que eu usava uma cueca dos Simpsons. Então disseram que eu era um agente americano e me puniram por isso."
Um mês antes, quando os russos invadiram a Ucrânia, Oleh e Denys haviam entrado para a defesa territorial, um exército de voluntários ucranianos. Mas grande parte dela se desfez com as primeiras explosões e as forças restantes em Kherson foram rapidamente vencidas. Os homens então entraram para a resistência, trabalhando contra os russos no lado de dentro.
"Conseguimos informações sobre onde estavam as bases das forças deles, quando eles se movimentavam e passamos tudo para os militares", explica Oleh. Ele acrescenta que se envolveu em muitas outras atividades que não pode comentar.
Outro membro da resistência que conheci contou ter ajudado as forças ucranianas a escapar em barcos pelo rio Dnipro quando ficavam cercadas e afirma ter roubado armas dos russos. "Contarei o resto quando ganharmos", diz ele, rindo, quando o pressiono para contar mais.
Denys tem 43 anos de idade, é casado e tem um filho. Comerciante de frutas e verduras antes da guerra, ele começou dirigindo uma van com pão pela cidade de Kherson, entregando comida e buscando informações enquanto saía.
Ele e Oleh também recolhiam armas, preparando-se para participar da batalha pela libertação de Kherson assim que a Ucrânia lançasse a contraofensiva que todos esperavam. Mas os dois homens foram detidos e torturados.
Pedi ao FSB russo explicações sobre o que aconteceu com estes e outros homens, sem resposta.
Oleh só viu Denys novamente no meio da primeira noite. Ele respirava com dificuldade e mal conseguia andar. Mesmo assim, ele apanhou dos guardas mais uma vez.
"Eles bateram nele na virilha e no rosto. Depois, dois homens com cassetetes tiraram suas calças e começaram a bater perto dos rins", conta Oleh, relembrando como a fita que segurava um saco sobre sua cabeça havia ficado solta o suficiente para que ele pudesse ver.
"Claramente, seus pulmões haviam sido perfurados e ele estava muito machucado", ele conta. "Mas, se ele tivesse recebido ajuda a tempo, sua morte poderia ter sido evitada. É horrível."
Em 18 de abril, os homens foram transferidos para uma unidade na Crimeia e, no dia seguinte, Denys foi finalmente levado para um hospital militar, onde Oleh tinha certeza de que ele se recuperaria.
A família de Denys Mironov soube da sua morte apenas um mês depois, quando ele foi devolvido para a Ucrânia como parte de uma troca de corpos.
Muitas pessoas saíram de Kherson em busca de segurança assim que os russos tomaram o controle. O governo ucraniano recentemente incentivou outras pessoas a evacuar a cidade, alertando que uma operação militar para retomar a região era iminente. Mas sair de Kherson não é fácil.
As autoridades russas limitam o número de veículos que atravessam a linha de combate e apenas uma rota para as áreas controladas pela Ucrânia está aberta, que é a estrada que leva ao norte, até a cidade de Zaporizhzhia.
Diversos postos de controle dos militares no caminho tornam a viagem impossível para os homens ucranianos com idade para o combate. Até as mulheres e as crianças enfrentam semanas de espera por lugares nos ônibus gratuitos de evacuação ou pagam tarifas exorbitantes pelas vagas em carros particulares.
Mas centenas de pessoas ainda fogem todos os dias. Elas pulam dos ônibus ou saem de carros superlotados pouco antes do pôr-do-sol em um estacionamento de supermercado em Zaporizhzhia, que também serve de área de recepção para as pessoas forçadas a exilar-se no seu próprio país.
Os adultos parecem exaustos e os sorrisos das crianças são tímidos, como se não tivessem certeza se já estão em segurança. Um jato de fumaça sai do capô de um carro azul da marca russa Lada, como se estivesse prestes a explodir.
Depois das verificações de segurança, voluntários oferecem roupas e comida. Alguns se reúnem com lágrimas aos parentes que estavam à sua espera.
Não podemos viajar para Kherson agora que ela está ocupada, mas o estado de espírito das pessoas traz grandes revelações sobre a vida naquela cidade.
Mesmo em solo controlado pelos ucranianos, as pessoas têm cuidado com o que falam. "Os russos vão ver isso?", perguntam alguns dos recém-chegados antes que eu filme ou mesmo grave suas declarações. Outros balançam a cabeça quando me aproximo e se afastam do meu microfone.
"Lá está difícil, os russos estão em toda parte", conta Alexandra, balançando sua filha Nastya nos joelhos, no banco de trás de um carro.
Dentro da tenda de atendimento, uma mulher idosa está em pé com duas sacolas, com olhar perdido e isolado. Tentando controlar as lágrimas, Svitlana conta que fugiu de Kherson porque seus nervos estão em frangalhos, mas seu marido recusou-se a vir com ela. "Ele disse que está esperando o Exército ucraniano chegar e nos libertar", ela conta.
A noite começa a cair e mais veículos chegam. Um homem admite que sua família está fugindo de algo além dos mísseis. "Nós sabemos que há pessoas desaparecendo, é verdade", ele conta, sem dar seu nome. "Em Kherson, você não pode sair à noite."
O perigo dos bombardeios aumentou nos últimos dias nos dois lados da linha de combate no sul da Ucrânia.
Em Mykolaiv, os dias normalmente começam com explosões às 4 da manhã. No lado sul, os locais de lançamento russos estão tão próximos que a sirene de advertência só é desligada depois que o primeiro míssil atinge a terra.
Em uma manhã, abrigada no porão do hotel, contei pelo menos 20 explosões na cidade, algumas tão próximas que sacudiram o edifício. Quando o toque de recolher terminou, encontramos uma escola próxima em ruínas, com o balanço do parquinho coberto na grossa poeira cinza do ginásio esportivo destruído.
Os ataques ucranianos também aumentaram em número e impacto, depois que bombas mais poderosas fornecidas pelo ocidente chegaram à região e estão fazendo a diferença.
Moradores da cidade de Kherson registraram diversos ataques a depósitos de munição da Rússia. Pontes sobre o rio Dnipro, incluindo a importante ponte Antonivskiy, também foram atingidas diversas vezes, interrompendo as linhas de fornecimento da Rússia.
A operação de retomada de Kherson pode estar próxima.
Sasha acredita que muitas das pessoas que permaneceram na cidade estão prontas para ficar e lutar. Aquelas com quem falei afirmam que o apoio ao domínio russo é mínimo e que as buscas, detenções e espancamentos nos últimos meses reduziram ainda mais esse apoio.
"Quando o exército começar a invadir, as pessoas estarão prontas e irão ajudar", afirma Sasha.
Depois da sua experiência brutal sob custódia russa, Oleh já está de volta ao front no sul da Ucrânia para lutar pela sua cidade, ao lado da resistência ucraniana.
"Eles podem conquistar a terra, mas não podem conquistar as pessoas", segundo ele. "Os russos nunca estarão seguros em Kherson, pois as pessoas não os querem ali. Elas não gostam deles. Elas não vão aceitá-los."
Fotos de Sarah Rainsford
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62345144
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