UCRÂNIA - A Rússia de Vladimir Putin fez na madrugada de quinta-feira (9) um dos maiores ataques aéreos desde que invadiu a Ucrânia, em 24 de fevereiro do ano passado. Ao menos 81 mísseis seis deles modelos hipersônicos de última geração nunca disparados em tal quantidade e drones foram lançados sobre 13 das 24 regiões do país.
"Foi uma noite muito difícil", disse em redes sociais o presidente Volodimir Zelenski. Ao menos 11 pessoas morreram, cinco delas na cidade de Lviv, principal centro no extremo oeste do país e usualmente poupada de assaltos mais severos.
O Ministério da Defesa da Rússia disse em nota que o ataque foi "uma resposta aos atos terroristas organizados por Kiev em Briansk", em referência ao nebuloso incidente em que um suposto grupo de russos pró-Ucrânia invadiu duas vilas nessa região russa na fronteira dos dois países no dia 2, trocando tiros com forças policiais.
Na prática, foi a retomada da campanha de Putin contra a infraestrutura energética ucraniana, já que os alvos eram majoritariamente estações de distribuição de eletricidade e centrais. Ela começou após o ataque de Kiev que danificou a ponte que liga a Rússia continental à Crimeia, anexada da Ucrânia em 2014, e seu mais recente grande ataque havia ocorrido há um mês.
Houve blecautes em todas as regiões, inclusive na área da maior usina nuclear da Europa, em Zaporíjia (sul do país). "Esta é a sexta vez, deixe-me dizer de novo, a sexta vez que ela perde toda sua energia externa e precisa operar em modo de emergência", afirmou em reunião o diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica, o argentino Rafael Grossi. A eletricidade foi reconectada depois.
Segundo publicou no Telegram Vitali Klitchko, o prefeito de Kiev, 40% da capital está sem aquecimento no momento do ataque, a temperatura estava em torno de 0ºC, tendo subido ao longo do dia.
O ataque repetiu o padrão adotado a partir de 10 de outubro, quando houve o primeiro e maior ataque até aqui contra alvos energéticos, com 84 mísseis. Naquele dia, contudo, Kiev afirmou ter derrubado mais da metade dos projéteis; nesta sexta, foram 34 deles, na conta sempre otimista do governo.
Foram empregados os meios usuais: mísseis de cruzeiro Kalibr disparados de aviões e navios no mar Negro, modelos de cruzeiro Kh-59, mísseis antiaéreos de sistemas S-300 adaptados para ataque a solo e drones. Cereja do bolo mortífero, seis Kinjal, artefato hipersônico que nunca havia sido usado nesse número na guerra.
É uma sinalização de Moscou, que há meses parece enfrentar escassez de seus modelos mais sofisticados, recorrendo a drones comprados do Irã e aos mísseis de S-300, com baixa precisão.
O ataque ocorre no momento em que Putin está à beira de cantar uma vitória simbólica importante, a maior desde o primeiro semestre do ano passado, conquistando Bakhmut. A cidade na região de Donetsk está sob ataque há sete meses, tendo sido reduzida a escombros, mas Kiev determinou prioridade em sua defesa ainda que analistas duvidem de sua real importância.
A ferocidade dos ataques no que se convencionou chamar de "moedor de carne" favorece a tática russa de empregar mercenários saídos de cadeias em ataques frontais, quase suicidas. Ambos os lados sangram de forma abundante, mas Moscou tem mais recursos nesse sentido.
Na segunda (6), Zelenski e sua cúpula militar decidiram manter a defesa a qualquer custo, alegando que é possível quebrar a frente russa com o desgaste, o que parece difícil na prática. Além disso, eles temem que a queda de Bakhmut seja instrumental para expandir a ocupação de Donetsk, hoje a menos controlada por Moscou das quatro regiões anexadas ilegalmente pelo Kremlin em setembro.
A Rússia diz o mesmo: o ministro da Defesa, Serguei Choigu, prometeu novos avanços assim que a cidade for conquistada. Avaliações do grupo mercenário Wagner e da Otan dizem que cerca da metade de Bakhmut já está em mãos russas, e a aliança militar ocidental prevê sua queda em dias.
Seja como for, a musculatura militar russa parece menos frágil do que repetem quase todos os dias serviços de inteligência e Forças Armadas do Ocidente. Kiev está em um momento difícil da invasão, embora mesmo entre analistas russos que apoiam Putin não haja expectativa de nenhum avanço definitivo nos próximos meses.
Já aqueles céticos apontam o caráter de vitória de Pirro, aquela que custa tanto ao vencedor que o derrota, do movimento atual. É o caso de Igor Girkin, ex-comandante militar dos separatistas pró-Rússia de Donetsk e frequente crítico de Choigu. Em seu canal no Telegram, ele disse que a queda da cidade nada significará, e que o desgaste aplicado aos russos impedirá novo uso das forças do Grupo Wagner.
Enquanto isso se desenrola, Kiev espera os novos armamentos prometidos pelo Ocidente, a começar por tanques Leopard-2 de países da Otan. Já a questão do recebimento de caças ainda engatinha, embora haja discussões mais avançadas para que Eslováquia e Polônia entreguem modelos soviéticos MiG-29 de que dispõem para Kiev, o que dispensaria treinamento já que os ucranianos operam o aparelho.
por IGOR GIELOW / FOLHA de S.PAULO