EUA - O Departamento de Justiça dos Estados Unidos pediu, na segunda-feira (10), a um tribunal de apelação a suspensão da sentença de um juiz federal do Texas que proibiria uma pílula abortiva muito usada.
"A ordem extraordinária e sem precedentes do tribunal distrital deve ser suspensa à espera da apelação", informou o Departamento em um documento judicial.
Na sexta-feira, o juiz Matthew Kacsmaryk anulou a aprovação dada pela FDA, agência federal que gerencia alimentos e medicamentos nos EUA, da mifepristona. A pílula é usada em mais da metade dos abortos realizados anualmente nos Estados Unidos.
"Se entrar em vigor, a sentença desta corte frustraria o julgamento científico da FDA e prejudicaria gravemente as mulheres", disse o Departamento de Justiça em sua apelação.
"Este dano seria sentido em todo o país, visto que a mifepristona tem uso legal em todos os estados", afirmou.
O Departamento de Justiça pediu à Corte de Apelação do Quinto Circuito dos Estados Unidos que suspenda a ordem do juiz Kacsmaryk enquanto espera uma apelação completa.
O presidente dos Estados Unidos, o democrata Joe Biden, se comprometeu na semana passada a combater a decisão que suspende o uso da mifepristona, classificando-a como "um passo sem precedentes para tirar as liberdades básicas das mulheres e colocar em risco sua saúde".
"É o próximo grande passo para a proibição nacional do aborto que os representantes republicanos eleitos prometeram transformar em lei nos Estados Unidos, disse Biden.
A secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, condenou a decisão como um "ataque à autoridade da FDA" e alertou que poderia "abrir as comportas para que outros medicamentos sejam apontados e negados às pessoas que precisam deles".
Pouco depois de o juiz do Texas emitir sua decisão, um magistrado de Washington deu seu parecer, em um caso diferente, de que o acesso à mifepristona deve ser preservado.
O juiz distrital Thomas Rice sentenciou que o fármaco é "seguro e legal" e que a FDA deve preservar seu acesso em mais de uma dúzia de estados.
O confronto de opiniões legais, junto com as apelações, significa que é quase certo que o caso acabe chegando à Suprema Corte.
No ano passado, o tribunal, dominado por conservadores, anulou a histórica decisão Roe v. Wade, que havia consagrado o direito da mulher ao aborto por meio século.
A mifepristona é um dos componentes de um regime de dois medicamentos que pode ser usado nos Estados Unidos durante as 10 primeiras semanas de gestação.
A FDA estima que 5,6 milhões de americanas o tenham utilizado para interromper a gravidez desde a sua aprovação há 23 anos.
- "Não cederemos aos extremistas" -
Enquanto a delicada questão era resolvida nos tribunais, governadores de estados onde o aborto ainda é legal após a decisão da Suprema Corte do ano passado tomaram medidas para proteger o acesso ao aborto medicamentoso.
O governador da Califórnia, Gavin Newsom, anunciou que seu estado garantiu uma reserva de emergência de até dois milhões de pílulas de misoprostol, que é usado em combinação com a mifepristona, mas também pode ser usado sozinho para induzir um aborto.
"Não cederemos aos extremistas que tentam proibir esses serviços de aborto fundamentais", garantiu Newsom. "O aborto medicamentoso segue sendo legal na Califórnia".
Em Massachusetts, a governadora Maura Healey indicou que seu estado adquiriu 15 mil doses de mifepristona, reserva suficiente para um ano.
Mais de 250 executivos das principais empresas farmacêuticas e biotecnológicas, incluindo o CEO da Pfizer, Albert Bourla, e altos executivos da Novartis, Biogen e Merck, assinaram uma carta advertindo que uma decisão de um juiz sem "formação científica" mina a autoridade de aprovação de medicamentos da FDA e "cria incerteza para toda a indústria biofarmacêutica".
A ordem do juiz Kacsmaryk veio depois que uma coalizão de grupos antiaborto entrou com uma ação para congelar a distribuição nacional de mifepristona.
Em sua decisão, Kacsmaryk adotou a linguagem utilizada pelos opositores ao aborto, referindo-se aos provedores de serviços de interrupção da gravidez como "abortistas" e dizendo que o medicamento é usado para "matar o ser humano por nascer".
O juiz disse que o regime de dois fármacos resultou em "milhares de eventos adversos sofridos por mulheres e meninas", incluindo sangramento intenso e trauma psicológico.
Mas a FDA, os pesquisadores e o fabricante de medicamentos apontam que décadas de experiência demonstraram que o remédio é seguro e eficaz quando usado conforme indicado.