PORTO ALEGRE/RS - No final do mês de julho e começo do mês de agosto, uma massa de ar frio atingiu a região Sul do Brasil – e avançou de modo que algumas quedas bruscas de temperatura foram previstas também para regiões do Norte e Nordeste do país. O frio intenso trouxe neve para diversas cidades do sul brasileiro – em Santa Catarina, por exemplo, nevou em mais de dez cidades.
Eventos de frio fora do comum costumam levantar uma questão entre os desavisados: “Se estamos passando pelo aquecimento global, por que o frio?”. Mas não se engane: o aquecimento global não se resume, necessariamente, apenas ao aumento de temperatura ao redor do planeta.
Pode parecer paradoxal falar de aquecimento global e frio extremo, mas são coisas muito relacionadas uma à outra – o que pode explicar a neve incomum em solo brasileiro. Calma, vamos explicar.
O aquecimento global é o agravamento do efeito estufa. Nossa atmosfera possui gases como o vapor d’água e o dióxido de carbono (CO2) que atuam como um cobertor ao redor do planeta, mantendo uma temperatura favorável à nossa sobrevivência por aqui.
Mas, desde o século 18, a humanidade tem aumentado a quantidade de carbono no ar, a partir da queima de combustíveis fósseis e do desmatamento de florestas (que convertem CO2 em oxigênio), por exemplo. Assim, o efeito estufa da nossa atmosfera foi intensificado, fazendo com que a absorção de calor e a temperatura média do planeta aumentassem.
O clima da Terra tem uma variabilidade natural. Com as temperaturas mais quentes, o planeta tenta reagir a essa situação inesperada, buscando retornar ao clima normal (mais ou menos como a transpiração, que serve para equilibrar a temperatura do corpo quando superaquecemos). E são nessas reações que extremos de frio, calor, seca ou chuva, por exemplo, são gerados.
“Em função do aquecimento, os sistemas de circulação atmosférica são alterados. Massas de ar frias podem gerar extremos de temperatura mais baixa ou massas de ar muito mais úmidas podem gerar inundações, por exemplo”, explica Tércio Ambrizzi, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP). “A circulação geral da atmosfera responde de forma extrema ao aumento de temperatura, causando eventos extremos também”, acrescenta.
O que acontece, então, são mudanças na dinâmica natural do planeta. Assim, o aquecimento global intensifica a ocorrência de eventos extremos – como as tempestades e inundações na Europa ou o calor intenso no Canadá.
E uma série de estudos têm mostrado que o aquecimento global está se intensificando. Já se descobriu que a Terra está capturando quase o dobro de calor que capturava há 16 anos, e que as temperaturas anormais decorrentes das mudanças climáticas – extremos de frio e calor – estão levando a 5 milhões de mortes por ano.
Segundo Ambrizzi, o frio intenso e a neve que apareceram por terras brasileiras nos últimos dias podem, sim, estar relacionadas a essas mudanças climáticas. “A onda de frio que estamos vendo é algo que já aconteceu no passado, sendo parte da variabilidade natural do planeta", diz o professor. "Mas, ao longo dos últimos anos, tem ocorrido com menos frequência e mais intensidade. O aquecimento global faz com que haja um aumento nos [eventos] extremos, então pode estar, sim, relacionado a esse frio anormal no Brasil.
Eventos como esses podem se tornar cada vez mais intensos se a taxa atual de emissão de gases do efeito estufa se mantiver – e se continuarmos a nos preocupar tão pouco com o meio ambiente.
“Nós vemos que o nosso governo demonstra uma preocupação muito baixa com o meio ambiente, e isso é realmente triste", alerta Ambrizzi. "Estamos contribuindo negativamente com o aquecimento global – e seremos punidos a longo prazo.”
*Por: Luisa Costa / SUPER INTERESSANTE