COREIA DO NORTE (FOLHAPRESS) - Dois dias depois de ter afirmado à OMS (Organização Mundial da Saúde) que não havia casos de Covid-19 na Coreia do Norte, o ditador Kim Jong-un demitiu vários membros da elite do Partido dos Trabalhadores por causa de um "grave incidente" relacionado ao coronavírus, "que criou uma grande crise para o segurança do país e de seu povo".
O alerta foi feito em discurso durante reunião do comitê executivo do partido governante, segundo a agência de notícias estatal KCNA. Kim afirmou que os funcionários responsáveis "negligenciaram decisões importantes do partido, que apelou por medidas organizacionais, materiais e científicas e tecnológicas para apoiar o trabalho antiepidêmico prolongado em face de uma crise de saúde global".
Desde o começo da pandemia, a Coreia do Norte, já então considerada o país mais fechado do mundo, isolou-se ainda mais, proibindo todas as viagens internacionais, inclusive para a China e a Rússia, e restringindo as domésticas.
O objetivo era evitar que a entrada do coronavírus agravasse ainda mais a já abalada situação humanitária do país, embora seja quase impossível verificar a afirmação de que o país estivesse livre de contaminação, como disse à época Chad O'Carroll, principal executivo do Grupo Korea Risk (GKR), consultoria e serviço de informação especializado na Coreia do Norte.
Quinhentos e dezesseis dias após fechar ainda mais o país, Kim afirmou que as restrições impostas para frear a pandemia seriam mantidas, embora analistas apontassem impacto forte sobre a economia frágil do país, para o qual o turismo é uma das poucas possibilidades legais de obtenção de moeda forte.
O fechamento de fronteiras afeta também o comércio com a China, majoritariamente ilegal, mas permitido extra-oficialmente pela ditadura norte-coreana, por substituir falhas de abastecimento da economia estatal. Em outro discurso neste mês, Kim afirmou que a Coreia do Norte passava pela "pior situação de todos os tempos".
Com estimados 26 milhões de habitantes, a Coreia do Norte espera receber 1,7 milhão de doses de vacinas do consórcio Covax, que compra e distribui imunizantes para países em todo o mundo.
A entidade, no entanto, tem enfrentado atrasos nas remessas por causa principalmente da falta de capacidade global de produção. A Covax também aponta falta de estrutura e preparo para receber, armazenar e distribuir os fármacos -que, dependendo do fabricante, exigem ultracongelamento.
Na semana passada, Kim pediu reforço das medidas de controle para criar uma "luta antipandemia perfeita", relatou o serviço noticioso independente NK News, editado por O'Carroll. A agência também citou a mídia oficial alertando sobre o perigo da variante delta, que é cerca de 60% mais contagiosa que a alfa.
A divulgação nesta terça de que o expurgo incluía membros do órgão máximo de decisão (o chamado "presidium"), segundo a KCNA, e "uma importante figura militar", segundo a NK News, corresponde a uma admissão de que há Covid-19 na Coreia de Norte, segundo dissidentes ouvidos pela agência francesa AFP na Coreia do Sul.
Um deles, o pesquisador do Instituto Mundial de Estudos da Coreia do Norte em Seul Ahn Chan-il, afirmou que a divulgação pela agência estatal norte-coreana das advertências feitas por Kim indica que o país precisa de ajuda internacional.
"Caso contrário, eles não teriam feito isso, pois inevitavelmente envolve o reconhecimento do próprio fracasso do regime em seus esforços antiepidêmicos", afirmou Ahn, segundo a AFP.
A última vez que a Coreia do Norte admitiu publicamente um possível surto de Covid-19 foi em julho de 2020, quando um homem cruzou a mais patrulhada fronteira do país, com a Coreia do Sul. A cidade de Kaesong, onde ficam as principais bases de controle de fronteira, ficou fechada por 20 dias. Um suposto surto, porém, não foi confirmado oficialmente.
Também não há certeza sobre os dados relatados pelo país à OMS, sobre o estágio da pandemia. O relatório semanal da entidade não tem, por exemplo, informações sobre quantos norte-coreanos estão em quarentena, dado não compartilhado pela ditadura desde dezembro do ano passado.
Até aquele momento, o país informara ter isolado mais de 32 mil habitantes e 382 estrangeiros, todos liberados da quarentena sem contaminação confirmada.
Na última segunda (28), o regime de Kim afirmou que até 17 de junho foram realizados testes em 31.083 pessoas e que nenhum caso do novo coronavírus foi encontrado. Os últimos testes incluíam 149 pessoas com doenças semelhantes à gripe ou "infecções respiratórias agudas graves", segundo relatório da Coreia do Norte à OMS.
Na semana passada, o Ministério das Relações Exteriores da Coreia do Sul disse que o país estaria disposto a doar vacinas para seu vizinho do norte.
*Por: ANA ESTELA DE SOUSA PINTO / FOLHA