O livro, que integra a Coleção Horizontes táteis: o mundo das escritas para surdocegos, é fruto da dissertação de mestrado de Andressa França, no Programa de Pós-Graduação em Educação Especial (PPGEEs) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e que teve apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes); o livro tem coautoria de Maria da Piedade Resende da Costa, professora do PPGEEs.
A obra, que pode ser adquirida em formato físico ou digital pelo site da editora CRV, em https://bit.ly/3uGOgdP, destina-se a professores, pesquisadores e profissionais envolvidos nas temáticas relacionadas à surdocegueira, abordando estratégias para os processos de ensino, aprendizagem e acessibilidade diante das tecnologias e avanços propostos para atender a esse público-alvo específico.
"A surdocegueira é uma condição singular, considerada como deficiência única, uma vez que sua compreensão demanda a consideração cuidadosa dos distintos níveis de perda visual e auditiva que coexistem. Essa interseção de deficiências delimita de maneira peculiar a interação social e a participação ativa na sociedade, diferenciando-se significativamente das deficiências abordadas de maneira isolada", explicam França e Costa. "O uso da expressão 'surdocegueira', redigida sem hífen, é estimulado desde 1991 para conferir-lhe um significado mais preciso diante de sua singularidade, afastando-se de uma concepção primária, como apenas a combinação de deficiências desvinculadas".
Para diminuir as barreiras de interação social, os registros visuais, táteis e SignWriting representam distintas manifestações na vastidão do domínio linguístico e da expressão escrita, conforme explicam França e Costa. "Os registros visuais, em sua essência, configuram-se como representações gráficas desenvolvidas para as línguas orais, proporcionando uma síntese visual dos elementos linguísticos nelas contidos. No âmbito das adaptações táteis, destaca-se um universo de possibilidades, dentre as quais se insere o sistema Braille, uma forma háptica [tátil] de codificação que possibilita a transposição dos elementos linguísticos para o domínio tátil, viabilizando a apreensão e a comunicação por meio do tato". Nesse contexto, o SignWriting emerge como um sistema de escrita inovador e especializado, concebido para registrar as complexidades e nuances intrínsecas das línguas de sinais, detalham as pesquisadoras.
O que é SignWriting?
Em linhas gerais, o SignWriting utiliza símbolos gráficos para representar as sinalizações, expressões faciais, movimentos corporais e outros elementos visuais que compõem a gramática das línguas de sinais. Sua capacidade de transpor a natureza tridimensional dessas línguas permite uma representação mais fiel e abrangente das particularidades linguísticas das línguas de modalidade visuo-espacial, possibilitando uma documentação precisa e detalhada dos registros. "Ao contrário dos registros visuais convencionais, o SignWriting direciona-se especificamente à expressividade gestual e visual dessas línguas, proporcionando uma plataforma escrita que captura e documenta a riqueza de sua gramática visual-espacial de maneira precisa e abrangente. Assim, o SignWriting surge como uma contribuição significativa para a preservação e disseminação das línguas de sinais, ampliando o alcance e a acessibilidade linguística para indivíduos sinalizantes", completam França e Costa.
No livro, as autoras descrevem o SignWriting detalhadamente para desmistificar o estereótipo de um registro complexo, impreciso e confuso. Como toda e qualquer escrita de uma língua - seja ela direcionada à língua oral ou sinalizada - demanda de estudos sistematizados, treinamentos e práticas constantes, a fim de que haja avanços gradativos de domínio, até se chegar ao alcance da proficiência.
Avanços e desafios
Mesmo com essa revisão bibliográfica atualizada, os dados a respeito das escritas de sinais ainda permanecem escassos, mas comprovam a vivacidade de seu uso em diferentes campos, afirmam França e Costa. "A área da Ciência da Computação se destacou pela complexidade dos materiais desenvolvidos para a comunidade surda, ainda que não tenham apresentado adaptações para indivíduos com baixa visão ou cegos. Frente à surdocegueira, não foram encontradas inovações específicas sobre escritas táteis, demonstrando a fragilidade do processo de ensino e aprendizagem, principalmente, para os sinalizantes que dependem de constante transposição linguística para a compreensão de informações em diferentes sistemas e códigos", apontam as autoras.
As pesquisadoras apontam os principais desafios que as escritas de sinais para a surdocegueira oferecem, residindo "primordialmente, na ausência de uma estrutura consolidada para uma modalidade tátil. No âmbito das comunidades surdas e surdocegas, cuja comunicação se efetua por meio de línguas de sinais, a aquisição da escrita foi, por muito tempo, centrada na alfabetização a partir de representações proeminentes das línguas orais. Esse enfoque implica na necessidade de transposição do processamento linguístico, que se encontra estruturado de maneira visuo-espacial, para um código fonético, fundamentado na sonoridade dos vocábulos. Tal processo é tido como parte de sua segunda língua. Essa dicotomia entre as modalidades linguísticas pode se erigir como um obstáculo substancial para o processo de aprendizagem".
Segundo as autoras, no contexto de surdos e surdocegos sinalizantes, as dificuldades de interpretação, compreensão e escrita na fase de alfabetização constituem fatores limitadores que, lamentavelmente, propendem a rotulá-los como indivíduos "preguiçosos, limitados ou com pouca inteligência", mesmo quando detêm profundo conhecimento no assunto e habilidade para explorar informações de maneira coesa e organizada ao expressarem-se por meio da língua de sinais. Nesse sentido, o livro, pontuam as pesquisadoras, é a base teórica para dar continuidade à pesquisa e à elaboração de materiais didáticos adaptados para surdocegos sob a perspectiva do SignWriting.