Uma pesquisa recente teve como um de seus objetivos avaliar essas lagoas, para compreender como determinados microrganismos conseguem sobreviver em ambientes tão extremos, com alta salinidade e pH elevado. O estudo foi desenvolvido por pesquisadores do Laboratório de Biodiversidade e Processos Microbianos (LMBP) da UFSCar e do Centro de Energia Nuclear da Agricultura (Cena), vinculado à Universidade de São Paulo (USP), em Piracicaba. Os levantamentos mostram a influência da pluviosidade nesses locais e, também, a influência que essas lagoas podem ter no ciclo do carbono.
As lagoas salino-alcalinas são ricas em carbonato de sódio e bicarbonato e têm pH muito alcalino, variando entre 9 e 12. São águas bem diferentes da encontrada no mar, por exemplo, em que se concentra o cloreto de sódio. Sarmento, docente no Departamento de Hidrobiologia (DHb) da UFSCar e coordenador do LMPB, explica que essas lagoas são importantes ambientes extremos, uma vez que poucos organismos sobrevivem em pH tão elevado. "A vida nessas lagoas é dominada por microrganismos como as cianobactérias, que formam uma elevada biomassa que faz fotossíntese e acaba tendo um papel importante no ciclo do carbono - ou seja, no ciclo de sequestro e emissão de gás carbônico no Pantanal", afirma o pesquisador, que ressalta a diversidade específica e particular desses locais.
A coleta para a pesquisa foi feita pelas equipes da UFSCar e da USP em seis diferentes lagoas salino-alcalinas da Nhecolândia, com cores e vegetações distintas. O estudo das comunidades microbianas que vivem nessas lagoas é importante porque há genes raros que não aparecem em outros ambientes. Um exemplo conhecido é a enzima usada na técnica PCR, aplicado para diagnóstico da Covid-19. "Essa enzima foi descoberta em um ambiente extremo, quando um pesquisador estava estudando bactérias que suportavam mais de 60°C. A partir desses estudos, foi possível isolar essas enzimas únicas que hoje servem para testes PCR, uma técnica amplamente utilizada na biologia molecular", exemplifica Sarmento. Ele acrescenta que nesses ambientes extremos são sempre encontrados genes e proteínas muito particulares e com alto potencial biotecnológico.
Ciclo hidrológico e efeito estufa
Além de estudar os microrganismos e caracterizar essas lagoas para contribuir com pesquisas futuras, o estudo verificou que as comunidades microbianas são influenciadas pelo ciclo hidrológico. "As cianobactérias que conseguem viver no pH alto dessas lagoas formam as florações. A água é muito verde e com alta densidade de microrganismos. Observamos que, em período com grande evaporação, se concentram mais nutrientes e a biomassa fica mais densa. Em época de chuva, essa floração diminui. Isso tem um papel importante, porque essa biomassa absorve muito carbono atmosférico", relata o professor.
A partir disso, o grupo de pesquisa aponta que a pluviosidade é o grande fator que determina a variação dessas comunidades. "Pequenas alterações nesses ecossistemas do Pantanal, por exemplo devido às mudanças climáticas, podem ter um efeito considerável no ciclo do carbono", reforça o professor.
A realização do trabalho foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e integrou um projeto temático, coordenado pela USP, que fez a análise dos dados do material coletado com foco no genoma. No LMBP da UFSCar foram feitas as análises para quantificação dos microrganismos, análise dos dados ambientais e a interpretação dos dados de sequenciamento genético. A junção de todas as informações permitiu desenvolver uma tipologia que permite classificar os diferentes tipos de lagoa em função dos processos microbianos que predominam. Os detalhes técnicos dessa classificação e outras informações sobre o estudo podem ser acessados em artigo publicado na Springer, acessível no link https://bit.ly/3S3LeXq.