SÃO PAULO/SP - As últimas duas décadas foram marcadas pelo avanço da fronteira agrícola e áreas de pastagens sobre florestas e campos naturais brasileiros, como o Cerrado. Somados os desmatamentos florestais e vegetações campestres nativas, o Brasil perdeu 513,1 mil quilômetros quadrados dessas áreas verdes de 2000 a 2020, o equivalente a 6% do território do País ou o tamanho de quatro Estados juntos: São Paulo, Rio, Paraná e Sergipe.
A perda de área verde, sobretudo na Floresta Amazônica, é a principal origem das emissões de gases de efeito estufa do País. Por causa disso, o Brasil tem sofrido pressão estrangeira para reduzir o desmate e evitar a aceleração do aquecimento global – cientistas alertam que o prazo para evitar uma catástrofe climática está se esgotando.
Só nos últimos dois anos investigados (2019 e 2020), foram perdidos 23.368 km² de campos e florestas naturais, área maior que a do Estado de Sergipe. Do total, foram desmatados 13.527 km² de florestas no biênio: 60,8% disso viraram um mosaico de ocupações em área florestal e outros 32,7% viraram pastagem com manejo, dentre outros usos. Já da vegetação campestre, que inclui o Cerrado, quase a totalidade foi destinada para o cultivo agrícola e pastagens.
Os dados fazem parte dos levantamentos Contas Econômicas Ambientais da Terra e Monitoramento da Cobertura e Uso da Terra do Brasil. Esses números foram divulgados nesta sexta-feira, 7, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Quem ganhou terreno no País foi a agricultura e a pecuária: a área agrícola cresceu 50,1% em duas décadas, 229,9 mil km² a mais, enquanto as áreas de pastagens com manejo tiveram uma expansão de 27,9%, 247 mil km² a mais. A silvicultura – florestas plantadas para abastecer a produção de celulose e madeira – cresceu 71,4%, 36 mil km² a mais. Dados regionais – que usam imagens de satélite, entre outras fontes – mostram que a Amazônia e o Cerrado foram os mais afetados pelo desmatamento.
“Geralmente a floresta é derrubada, é implantado o pasto com manejo, e depois que o pasto com manejo está mais estabilizado, vem a agricultura. Porque é um custo muito alto derrubar a floresta e colocar já a agricultura”, explica Fernando Dias, gerente do Monitoramento e de Pesquisa da Terra do IBGE.
“Nesses 20 anos foi possível observar isso, essa dinâmica de conversão da vegetação nativa em pastagem, e da pastagem para a agricultura”, complementa Ivone Batista, gerente de Contas e Estatísticas Ambientais do IBGE. “A retirada da floresta é mais custosa.”
Em outras regiões do Brasil, como nas áreas de Cerrado, a dinâmica se altera um pouco. Há substituição de vegetação nativa tanto para ocupação com pastagem quanto para ocupação direta da agricultura, explicou Dias.
Nos últimos anos, tem crescido o esforço de implementar soluções sustentáveis para o agronegócio, a exemplo das fazendas que usam a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), técnica desenvolvida pela Embrapa, como alternativa para minimizar impactos ambientais do agronegócio, um dos principais eixos da economia nacional.
A estratégia permite a convivência de diferentes atividades econômicas (como grãos e gado) e áreas preservadas na mesma propriedade, de forma a não cesgotar o solo ou a disponibilidade hídrica. A adoção do método, porém, ainda é tímida frente ao tamanho da área plantada brasileira.
Área do ‘Matopiba’ concentra perdas
Em duas décadas, as mudanças mais intensas na cobertura da terra ocorreram nas bordas da Amazônia e na região chamada Matopiba, formada por áreas majoritariamente de Cerrado nos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, que vêm registrando expansão da agricultura.
Entre 2000 e 2020, as áreas agrícolas tiveram crescimento de 2,8% no Maranhão, 4,4% no Tocantins, 3,8% no Piauí e 2,7% na Bahia. Mas, no ano de 2020, as maiores extensões de áreas agrícolas estavam em Mato Grosso (124.784 km²), São Paulo (102.913 km²), Rio Grande do Sul (98.302 km²), Paraná (72.152 km²) e Goiás (68.359 km²).
A área mais dinâmica de mudança de cobertura nas duas décadas pesquisadas correspondeu às bordas do bioma Amazônia, passando pelos Estados de Rondônia, Mato Grosso e Pará, onde predominou o avanço das pastagens sobre a vegetação florestal. “Essa expansão dos estoques de pastagem com manejo revela uma tendência de migração da atividade agropecuária da Região Centro-Oeste para a Região Norte”, frisou o IBGE.
A escalada do desmatamento da Amazônia tem sido motivo de pressão interna e externa contra o governo Jair Bolsonaro, que afrouxou a fiscalização de crimes ambientais. No primeiro ano da gestão (2019), as multas ambientais aplicadas caíram 30%. A queda nas multas pagas foi ainda maior, de 74%. Em 2020, as multas aplicadas recuaram 54%, enquanto as pagas despencaram 89%.
Em 20 anos, o Pará foi a unidade da Federação com a maior expansão de pastagem com manejo, 87,8 mil km² a mais, enquanto sediava também a maior redução de vegetação natural, 123,2 mil km² a menos. Os Estados com as maiores extensões de pastagens em 2020 foram Mato Grosso (com 190.016 km²), Pará (162.000 km²), Goiás (151.588 km²), Mato Grosso do Sul (147.635 km²) e Minas (114.345 km²).
“É uma dinâmica econômica avançando sobre áreas naturais”, explica Ivone Batista. “Por isso a importância de a gente começar a olhar as questões ambientais nesse foco da contabilidade nacional. A gente tem um aumento nessa dinâmica agropecuária nesse país, mas a custa de perda. O que a gente está perdendo? A gente aqui está falando em área e vegetação”, acrescentou.
Houve também mudanças relevantes em duas décadas na cobertura da terra no sul do Rio Grande do Sul, e na faixa que se estende do oeste paulista ao leste de Mato Grosso do Sul e Goiás, apontou o IBGE. Ivone ressalta, porém, que, em meio às áreas verdes degradadas, é possível constatar territórios que conseguiram resistir preservados.
“São exatamente as unidades de conservação ou terras indígenas. Lugares de preservação, áreas especiais. Nos mapas, a gente consegue apontar que essas áreas especiais elas efetivamente limitam essas ações e elas são espaços de manutenção da dinâmica ambiental”, diz ela. “Efetivamente mostra a importância dessas áreas especiais para a manutenção da biodiversidade, dos ecossistemas locais.”
Dados mostram avanço da mineração e Pantanal mais seco
O IBGE também detectou um avanço da mineração em áreas florestais desmatadas e redução de áreas úmidas no Pantanal, tendo a expansão da agropecuária local como uma das possíveis causas. Essa mudança também se reflete no regime de chuvas pantaneiro.
“Nas bordas do Pantanal, as áreas úmidas apresentaram redução, o que pode estar relacionado à variação no regime da precipitação acrescido da expansão da atividade agropecuária na região”, apontou o IBGE. Nos últimos anos, o bioma também tem visto aumento no número de queimadas, com perda de cobertura vegetal e mortes de animais.
Daniela Amorim / ESTADÃO