Até 2030 uso de água, que já é grande no país, deverá aumentar em 24%, porém apenas 1% da oferta deste recurso é oriunda de reaproveitamento. Na cidade de Hidrolândia, a 36 quilômetros de Goiânia, projeto pioneiro de fertirrigação em indústria de lacticínios mostra que é possível aumentar esse percentual de reuso
SÃO PAULO/SP - O uso da água potável no país deverá crescer 24% até 2030, superando a marca de 2,5 milhões de litros por segundo, segundo dados do Manual de Usos Consuntivos da Água no Brasil. Embora sejamos uma das nações mais ricas na disponibilidade de água doce no mundo, abusamos dessa abundância natural e perpetuamos uma cultura do desperdício.
Sendo assim, neste 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, nós brasileiros temos pouco o que comemorar e muitos desafios pela frente, e um dos principais é o reaproveitamento da água, uma prática ainda pouco relevante no País. Para se ter uma ideia, segundo o estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) “O Impacto Econômico dos Investimentos de Reúso de Efluentes Tratados para o Setor Industrial”, de 2018, menos de 1% da oferta de água no país provém de reúso de efluentes tratados. Enquanto isso, em Israel, país que convive com a escassez desde sua origem, 70% da oferta vem da reutilização de efluentes.
Estima-se que o reúso de água não potável seja de 2m³/s, uma vazão ínfima perto do total da água retirada no País, 2.083 m³/s segundo dados do estudo Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil, de 2018. A meta proposta pelo governo federal é que o reúso não potável direto no Brasil alcance 13 m³/s até 2030.
E é frente a esse desafio ambiental enorme que iniciativas como da indústria de laticínio Marajoara, localizada na cidade goiana de Hidrolândia, a 36 quilômetros de Goiânia, merecem ser aplaudidas e copiadas. A empresa inaugurou recentemente um inovador projeto de fertirrigação desenvolvido em que direciona a água residual de seus processos fabris, que é tratada de sua própria Estação de Tratamento de Resíduos (ETE), para um pasto de aproximadamente 14 hectares, vizinho à sede da indústria.
“O nosso sistema de tratamento da água por flotação assegura uma eficiência superior a 90%, bem mais do que os 60% exigidos pela legislação ambiental. Até então, essa água já devidamente tratada era lançada no Córrego Grimpas. Porém, com esse projeto de fertirrigação conseguiremos dar uma destinação mais sustentável para essa água”, diz o presidente do Grupo Marajoara, André Luiz André Luiz Rodrigues Junqueira.
Três bombas instaladas em tanques de água tratada que percorrerão quase um quilômetro em tubulações até chegar ao destino, onde será criado gado de corte. Em média, serão jorradas no local 75 mil m³ de água por hora. A cada 12 horas, serão um milhão de litros de água de reuso reaproveitados. O sistema será composto por cerca 600 aspersores, sendo que cada um irá lançar água a uma distância máxima de um raio de 11 metros. Isso faz com que cada gota de água seja muito bem aproveitada, evitando o desperdício.
O pasto será dividido em piquetes para se fazer o manejo rotativo e a expectativa é que a produtividade aumente em cinco vezes. “Através deste sistema, independentemente do período do ano, se de seca ou não, você terá pasto verde e abundante para gado”, explica o zootecnista da Marajoara, Diego Dantas Colnago.
Ele cita outra vantagem: por meio do sistema instalado, é possível fazer a suplementação para o pasto diluindo-o nos próprios tanques da ETE, facilitando o processo. “Com água e nutrientes necessários, o pasto ficará mais saudável, refletindo no ganho de peso do gado”, explica. O zootecnista lembra ainda que além da pastagem, o sistema de fertirrigação por meio de reuso de água pode ser perfeitamente usado em outros cultivos, como milho, sorgo e soja.
Aquíferos
Da concepção do projeto até o início das obras para sua instalação, no fim de janeiro, foram necessários seis meses de estudos técnicos no solo da área e outros quase cinco meses para aprovação junto da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). De acordo com a bióloga Daniela Souza Silva, diretora da Ecovel, empresa que assessora ambientalmente a Marajoara, o projeto também, a médio prazo, servirá como um importante mecanismo de recarga dos aquíferos locais ou lençóis freáticos. “Com esse sistema de fertirrigação, parte da água é absorvida pela planta, no caso o capim do pasto, parte é evaporada e uma parte significativa vai para o lençol freático”, explica a consultora.
O projeto de fertirrigação é uma continuidade de um outro projeto de sustentabilidade da empresa, que é desenvolvido há pouco mais de dois anos a partir da ETE da Indústria: é o uso da biomassa, que é extraída dos efluentes após o processo de tratamento, virando fertilizante. Esse adubo é fornecido gratuitamente a pequenos produtores rurais em Hidrolândia. Rica em nutrientes importantes para o gado leiteiro, a mistura é aplicada no pasto dessas pequenas propriedades, assegurando uma produtividade e qualidade para alimentação dos animais, e o que é melhor, sem agredir o meio ambiente.