A sexta edição do evento será totalmente on-line, com onze espetáculos transmitidos ao vivo a partir de unidades do Sesc; serão quatro estreias mundiais, três inéditas virtualmente, além de uma ampla programação formativa
SÃO PAULO/SP - Qual a importância de um festival de circo em meio ao isolamento que estamos vivendo? Como a tecnologia pode ser usada para unir artistas e público, neste momento? É com o objetivo de trazer essas e outras perguntas para os palcos e para o debate que o Circos – Festival Internacional Sesc de Circo chega à sua sexta edição, entre 28 de agosto e 4 de setembro de 2021, de forma totalmente on-line, com criações inéditas, além de uma série de atividades formativas para todos os públicos.
“Apesar do distanciamento, a arte segue sendo um respiro e proporcionando encontros nas mais variadas plataformas on-line, chegando a diversas pessoas a partir do campo criativo, potente e inventivo que é o digital, com suas presencialidades possíveis.”, afirma Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc São Paulo. E complementa: “Frente aos novos desafios, o Sesc segue cumprindo sua missão de fomentar a difusão cultural e artística, e também as interlocuções, os encontros, as vivências e reflexões.”
A programação tem onze espetáculos, sendo que quatro deles são estreias mundiais e outros três apresentados pela primeira vez de forma virtual. São mais de duas dezenas de atrações ao vivo, entre espetáculos transmitidos a partir de unidades do Sesc – SP e outras mais de 50 atividades gravadas, além de inúmeras ações formativas e encontros entre profissionais de várias partes do mundo. Todas as exibições acontecem a partir do youtube.com/SescSP em dias e horários disponíveis a partir de 19 de agosto no site circos.sescsp.org.br.
Entre os espetáculos, são quatro estreias mundiais: Circo Misterium, da cia. Barracão Teatro, em uma apresentação de palhaços que discute a finitude e a eterna continuidade da vida; CircomUns, do Circo e Teatro Palombar, que investiga a imagem de pessoas anônimas relacionando-as a uma ‘estética periférica’; La Trattoria, do grupo Los Circo Los, com a história da inauguração de um restaurante; e Retumbantes, com Livia Nestrovski, Lívia Mattos, Tomás Oliveira e Rafé, espetáculo-show que promove o encontro do circo com a música e as artes visuais.
Além disso, alguns espetáculos, como A Caravana do Tempo, do Unidos do Swing, Bloom – Caminhos e Encontros, da Cia La Mala, e Ela - Em todos os lugares, da Troupe Guezá, são apresentados pela primeira vez de forma virtual.
Se numa ponta há ineditismo em montagens estreadas neste Circos de 2021, há também Exceções à Gravidade, obra apresentada há quase 40 anos no mundo inteiro pelo americano Avner Eisenberg - aclamado como um dos mais importantes palhaços de todos os tempos. Sempre arrancando gargalhadas do público, Eisenberg diverte a plateia em números de malabares, ilusionismo e palhaçaria, questiona o que é perder e ganhar com números engraçados, como engolir uma quantidade inacreditável de guardanapos ou equilibrar uma pena muito comprida em seu nariz.
Integram a programação ainda: Prot{agô}nistas - O Movimento Negro no Picadeiro, do coletivo Prot{agô}nistas - tema de documentário exibido durante a programação; Cachimônia, da Cia Artinerant’s, que agora fecha a trilogia iniciada com os espetáculos Vizinhos (2014) e Balbúrdia (2017), que estarão disponíveis on demand durante o Festival; e Circo Charanga, o mais recente espetáculo da Cia. LaMínima.
E por falar em LaMínima, durante o CIRCOS 2021, será lançado o curso EAD de Palhaçaria dentro da plataforma digital do Sesc para ensino a distância (https://ead.sesc.digital/). O tema do curso é a criação dramatúrgica em palhaçaria, ministrado por uma companhia de circo e teatro que há quase 30 anos pesquisa o repertório clássico do palhaço.
A edição 2021 do CIRCOS conta ainda com encontros entre programadores brasileiros e internacionais para um intercâmbio de técnicas, conhecimentos e produções. A abertura (virtual) será no dia 30 de agosto, às 12h, pelo diretor do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda e pelo Secretário Municipal de Cultura, Alê Youssef.
As estreias
Uma das estreias deste ano do CIRCOS reúne duas artistas de trajetórias diferentes e o mesmo nome. Retumbantes traz Livia Nestrovski e Lívia Mattos, além de Tomás Oliveira e Rafé, em um espetáculo-show, em que o som é a forma de lidar com o mundo. As canções que servem de trilha e complemento aos números circenses - que incluem acrobacia, malabarismo, equilibrismo, ilusionismos, entre outras técnicas - são todas tocadas ao vivo pelos artistas em cena. São composições instrumentais e canções, trabalhos autorais do grupo e criações de nomes como Hermeto Pascoal e Capiba, tocadas com voz, instrumentos tradicionais, como a sanfona, e excêntricos, caso do serrote, do piano de garrafa e do contrabanjo (espécie de contrabaixo).
Os quatro artistas buscam a sua forma de ser e estar no mundo, em ressonância paradoxal entre os seus anseios e a incoerência da existência. Um homem que perdeu a cabeça, gêmeas siamesas de genealogias diversas e um beatboxer malabarista, têm a música como linguagem de interlocução entre eles e também com o seu entorno.
Numa apresentação de circo, o palhaço Zabobrim se engasga com suas bolinhas de pingue-pongue e cai desfalecido. Este é o ponto de partida de Circo Misterium, do Barracão Teatro. Nesse enredo, o grupo fala sobre a vida, em um sentido mais existencial do que religioso, tratando sobre a finitude, sempre de um jeito leve, a partir de técnicas de palhaçaria.
O espetáculo mostra o Zabobrim tentando encontrar respostas com a ajuda de divindades (seres imortais) de crenças diversas – de matrizes judaico-cristã, africana, islâmica, espírita, budista e de povos originários das Américas, que são representados no espetáculo por artistas do circo, com diferentes habilidades. A direção é de Luiz Carlos Vasconcelos, o palhaço Xuxu.
Do Circo e Teatro Palombar, o inédito CircomUns traz nove artistas ao picadeiro virtual em apresentações que falam do território urbano e retratam os trabalhadores comuns que fazem a cidade acontecer e que passam despercebidas na maioria das vezes. O grupo valoriza o trabalho coletivo continuado, a multiplicidade de linguagens e a criação de uma poética periférica, retratando paisagens do bairro de onde o grupo vem, Cidade Tiradentes, extremo leste de São Paulo.
O protagonismo de cada uma dessas figuras - estudantes, motoboys, artistas de rua, eletricistas e executivos - aparece em números individuais, como mágica, palhaçaria, roda cyr (círculo de metal usado em giros e acrobacias), cubo, manjota (hastes para equilíbrio sobre as mãos) e arame. A trilha sonora traz sons da cidade e ritmos urbanos, como o hip-hop, além de intervenções musicais tocadas ao vivo pelo elenco, com uso de saxofone, trompete e sanfona.
O que é o sucesso? São perguntas que estão em La Trattoria, da cia Los Circos Los. A sinopse trata da tão aguardada e sonhada inauguração do “La Trattoria", um requintado restaurante.
Em cena, números de palhaçaria, acrobacia e equilíbrio, costurados com comicidade físicas, gags (o efeito cômico obtido por surpresa ou improviso) e quedas. A cia Los Circo Los vem compondo seu repertório com números, cenas e espetáculos em que estão presentes a comicidade física, as acrobacias, o malabarismo e equilíbrio, em dramaturgias singulares.
Estreias virtuais
Três espetáculos poderão ser vistos virtualmente pela primeira vez. Abrindo a programação do Festival este ano, em um clima de animação que remonta tanto às antigas caravanas circenses de séculos atrás quanto ao carnaval de rua de New Orleans (EUA) - mas com o ritmo brasileiro - Unidos do Swing apresenta A Caravana do Tempo. Gravado diretamente da parte externa do Sesc Itaquera, o espetáculo tem o acompanhamento musical do jazz temperado com ritmos brasileiros.
O grupo, que tem a característica de brincar com a arquitetura dos espaços, subverte movimentos cotidianos por meio de números de circo, unindo as linguagens da música, da dança e do circo numa proposta estética acústica, performática e interativa. Os arranjos musicais originais vão do swing jazz ao maracatu, do blues ao baião, da música brasileira de carnaval ao ritmo das brass bands. O espetáculo inclui a participação de 12 músicos e 13 artistas circenses, com números de malabares, monociclo, bambolê, duplas acrobáticas, pernaltas acrobáticas e Mastro Chinês.
A Cia La Mala apresenta, também no dia da abertura de Circos, seu mais recente espetáculo, Bloom - Caminhos e Encontros. O motor criativo desta obra é o encontro, o florescimento, a percepção da diferença dos indivíduos e dos corpos e de que pessoas diferentes reunidas potencializam tudo - o conhecimento, as dores e as alegrias. A companhia, composta pelos artistas Carlos Cosmai e Marina Bombachini, resolveu ampliar sua parceria e chamar outros artistas para compor. Em cena, os acrobatas - munidos de suas ancestralidades, histórias, gestos e movimentos - amplificam com técnicas circenses as referências aos ciclos da natureza e das estações do ano, em que o florescer (bloom) da primavera concentra toda a potência do encontro em forma de cor, sonoridade e movimento.
Um espetáculo que nasceu da vontade de falar sobre temas comuns a todas as mulheres. Assim foi criado Ela - Em todos os lugares, apresentado pela Troupe Guezá. Fundado há 20 anos, o grupo se constitui de artistas circenses com múltiplas habilidades e interessados nas práticas e pesquisas corporais.
A versão que se verá no CIRCOS 2021 traz à cena três mulheres com seus tipos reais e diversos e que, enaltecendo a virtuosidade e leveza, buscam a representação poética do ser feminino. O coletivo se debruça neste universo tanto no trabalho físico – com acrobacias solo e aéreas pensadas para mulheres – quanto na temática, em que a narrativa apresenta figuras fortes que buscam em seus corpos e vivências a superação. É uma adaptação do espetáculo de sala Ela, de 2019.
Mais espetáculos on-line
Fazendo uso da mistura do circo, música e dança, e com base na comicidade, o Prot{agô}nistas apresenta um espetáculo com 25 artistas negros em cena. A ideia é mostrar uma diversidade de linguagens para manter o público atento, com números circenses a serviço da narrativa e embalado pela música. Trata-se de um convite à celebração, em uma dramaturgia que chama a plateia a contemplar a beleza negra na estética, discurso, humor e poesia.
O espetáculo, do coletivo homônimo do espetáculo, tem sequência com cenas e números circenses de faixa, palhaçaria, tecido, malabares, trapézio, contorcionismo e equilíbrio. Seu contexto vai além da celebração e transita pelo humor e poesia, com muita técnica e orgulho do futuro a partir do reconhecimento das ancestralidades presentes.
Antes da apresentação, haverá a exibição de um documentário produzido pelo grupo durante a pandemia. O foco não é o espetáculo em si, e sim o aquilombamento, o afeto, o cuidado e a troca de conhecimento entre os integrantes. A narrativa é construída mesclando depoimentos e imagens, com cenas de arquivo e outras inéditas.
Três palhaços erguem uma pequena lona no meio da rua e apresentam um espetáculo de variedades. Este é o enredo de Circo Charanga, da Cia La Mínima. Com direção de Luiz Carlos Vasconcelos, o palhaço Xuxu, o espetáculo é uma homenagem à tradição dos circos de lona, com números clássicos circenses.
Foram revisitados esquetes escolhidos e contados especialmente por artistas que são referência na palhaçaria brasileira, como Biribinha, Tubinho e Dedé Santana. Das técnicas e números, estão lá a manipulação de chapéus e acrobacias, o piano de garrafa e o trio de sopros, formando a charanga que batiza o espetáculo.
Com quase 30 anos de estrada, o grupo estará à frente de um EAD de palhaçaria lançado durante o CIRCOS 2021, dentro da plataforma digital do Sesc para ensino a distância (https://ead.sesc.digital/). O curso, em seis aulas, vai tratar da criação dramatúrgica em palhaçaria, abordando diversos temas pertinentes a este universo, como a comicidade física, a música excêntrica, os espetáculos de rua, a construção da dramaturgia e a pantomima (teatro gestual).
CachimÔnia é a parte final de uma trilogia, composta ainda por Vizinhos (2014) e Balbúrdia (2017) - que estarão disponíveis durante o CIRCOS 2021. Com elementos cênicos que remetem às artes plásticas, como se estivessem dentro de uma pintura, a dupla traz números acrobáticos, de equilíbrio e até de ilusionismo.
Dirigida por Lu Lopes e Tato Villanueva, a obra final da trilogia do Artinerant’s revela que tudo pode ter sido um sonho. CachimÔnia mostra uma noite de um casal no campo, em um universo onírico e repleto de delírios, em que as vontades e emoções viram cenário de cenas surrealistas, com mesas que giram sozinhas, cabras que dão vinho no lugar de leite, objetos voadores e pessoas que se transformam em animais.
Cursos e oficinas
Uma das antigas expressões artísticas do mundo, o circo atravessa os séculos se reinventando e incorporando técnicas e linguagens como a música, o teatro e a dança. Para alcançar o espectador em 2021 - um ano marcado por fruições online, assim como 2020 - o Circos traz uma programação virtual para quem gosta de acompanhar esse universo e quer entender melhor como ele funciona (por meio das atividades formativas).
Para além das apresentações, conversas sobre questões ligadas ao circo estarão presentes durante a programação. Os debates serão transmitidos nas redes Sesc e terão diversos temas para discutir o papel do circo nos dias de hoje, como a participação de artistas com diferentes tipos de corpos até a produção circense em tempos de distanciamento social, passando pelo fazer rir em tempos em que uma pandemia deixa um rastro de morte e sequelas pelo planeta. Entre os debatedores, estão nomes como Christian Dunker (psicanalista e autor), Ronaldo Aguiar (palhaço e diretor da ONG Doutores da Alegria), Ermínia Silva (pesquisadora e quarta geração de circenses no Brasil), Bete Dorgam (palhaça, diretora e professora universitária), Lu Menin (diretora e artista circense) e Raimo Benedetti (videoartista e pesquisador), Tiago Munhoz (palhaço de rua), entre outros.
Ainda faz parte do CIRCOS 2021 uma série de cursos e oficinas a distância para crianças e adolescentes e para todos os tipos de público - parte pode ser acompanhada nas redes sociais do Sesc-SP, parte precisa de inscrições para participação. Também serão oferecidos oficinas e cursos para ensinar desde números circenses até técnicas de áudio e vídeo para melhorar a transmissão de apresentações, passando por maquiagem artística e exercícios de preparação corporal.
Uma sala de encontro entre programadores, artistas e produtores reunirá debates sobre os desafios do circo no futuro e a promoção de festivais em meio à pandemia de Covid-19, sendo também um espaço aberto para encontros, conversas e troca de ideias.
Outro destaque deste ano é o lançamento de um periódico reflexivo sobre a linguagem circense, com textos de pesquisadores da área, como Júlia Henning (artista, gestora cultural e fundadora da Cia Instrumento de Ver), Cibele Appes (cineartivista), Bel Mucci (artista circense, socióloga, professora de artes aéreas circenses e pesquisadora) e Mafalda Pequenino (atriz e diretora de circo e teatro, coordenadora dos Pernaltas do Orun, do grupo afro Ilú Obá de Min).
Está prevista, ainda, uma residência de palhaços, para instigar o processo criativo colaborativo. Participam Tato Villanueva e Letícia Vetrano (palhaços argentinos e diretores), Bruno Saggese (Palhaço Mimo), Dani Maimoni (Palhaça Danisguela), Tiago Marques (Palhaço Ritalino), Ariadne Antico (Palhaça Birita) e Dani Majzoub (Palhaça Olívia).
Programação para assistir quando quiser
Durante o Festival, obras audiovisuais estarão disponíveis on demand. São documentários, séries e outras obras sobre o atual momento do circo no Brasil e no mundo, além de investigar temas importantes como a negritude.
Alguns grupos que estão na programação do Circos 2021, também vão ser tema de outros materiais exibidos nas redes do Sesc. Como o coletivo Prot{agô}nistas, que produziu um documentário artístico durante a pandemia sobre o lugar do artista negro e sua representatividade na cena cultural paulista. E da exibição de Vizinhos e Balbúrdia, do grupo Artinerant’s, que junto com CachimÔnia (uma das estreias deste ano), completam a trilogia que trata de forma divertida os encontros de um casal.
Será possível acompanhar também, por exemplo, “Palhaças do Mundo”, seriado documental que mapeia poeticamente o universo de mulheres palhaças espalhadas pelo globo, com direção de Manuela Castelo Branco. A série será lançada no SescTV, com 12 episódios que trazem entrevistas com Fran Marinho, Drica Santos, Nola Rae, Enne Marques, Nara Menezes, entre outras palhaças que vão contar um pouco sobre a criação de personagens, suas inspirações e até suas pesquisas sobre o mundo circense.
“Guarany - A história do circo dos pretos”, com direção de Mariana Gabriel, conta a história do Circo Theatro Guarany para resgatar a memória de negritude, racismo, questões de gênero, memória, terceira idade e até a arquitetura da antiga capital paulista dos anos 1940 e 1950. A diretora é bisneta de João (dono do circo do título) e traz à luz a história de sua família, em especial de sua mãe Deise Alves dos Reis Gabriel e da avó Maria Eliza, intérprete do Palhaço Xamego (uma mulher que se vestia de palhaço para trabalhar no circo do pai).
Haverá ainda a exibição de uma série de vídeos com apresentações circenses criadas especialmente para o meio audiovisual, feitas durante a pandemia. A série reúne mais de uma dezena de vídeos produzidos por profissionais de diversas partes do Brasil e do mundo, em trabalhos curtos, registrados nos mais diversos ambientes. Entre os artistas e grupos que que terão seus trabalhos exibidos estão Alice Rende, Daniel Seabra, Margarida Monteny, Kiriaki Baili e Luca Poit, e os grupos, Cia Duna, Cia Barnabô, Cia. do Relativo e Trupe Baião de Dois.
Os vídeos complementam a programação, mostrando a diversidade, a relevância e a amplitude das atividades circenses nos dias de hoje.
Circos – Festival Internacional Sesc de Circo
De 28 de agosto a 4 de setembro
Informações em circos.sescsp.org.br